Capítulo 19

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As reuniões da Vila do Doce se tornam uma espécie de ritual diário indispensável. Da segunda-feira em diante, eu começo a almoçar na lanchonete todos os dias, pois meu estágio inicia exatamente à uma e meia. Como Laura e Matheus são de Shamestore, eles não se importam de me fazer companhia, mesmo que não comam nada.

Os planos para a primeira segunda-feira, porém, não saem como o esperado. Laura recebe a notícia que terá de organizar um desfile de moda antes de encerrar o semestre, o que ocupará muito do seu tempo ao longo do próximo mês. Já Matheus, que encontrara o arquivo dos túneis, descobriu que são mais de cem vias complexas que se cruzam no subterrâneo. Verificar uma a uma até encontrar a correta levaria, no mínimo, meses.

Eu, por outro lado, ignoro completamente a teoria da bolha de sabão ao entrar na sala do estágio pela primeira vez. Ocupo minha mente apenas com os meus afazeres, pois não quero cometer nenhum erro. Felizmente, descubro que só preciso ligar pra alguns lugares, tirar foto das obras nas ruas e divulgar nas redes sociais. A coisa mais simples do mundo.

– É só isso? – perguntei ao Sr. Schelinger, enquanto visitávamos um asfaltamento de rua ao final da tarde de segunda. – É só tirar uma foto e pronto?

– E não se esqueça de incluir o meu nome, claro: "Prefeito Charbel Schelinger, muito atencioso, visitando as obras em Shamestore". É só uma sugestão. Ou coloque: "Diferente de Lovesbreath, aqui o prefeito preza pelo bem dos cidadãos". Mas a escolha é sua, querida. Use sua criatividade.

Lá pra quarta-feira, consigo fazer tudo no piloto automático. Não há grandes eventos para cobrir. O lado bom é que o prefeito iniciara uma série de obras de saneamento em parceria com o Centro de Esgoto de Shamestore, o que me colocou em contato direto com Matheus pelo telefone. Assim passamos a conversar também à tarde, quando possível.

Na quinta eu questiono o que meus pais sabem sobre Aidan Hildebrand e eles me indicam um livro da biblioteca do porão, cujos três primeiros capítulos contam a história dos fundadores. Eu leio alguns trechos no decorrer da semana, mas não há nem menção aos estudos do coma. Só opiniões de antigos moradores comentando o quanto Aidan fora arrogante ao desrespeitar o pai. Eu largo o livro e volto a me concentrar na faculdade.

Somente na sexta, o tempo volta a correr num ritmo normal. Consigo entregar os meus dez trabalhos atrasados, Laura adianta uma pequena parte do desfile e Matheus revela que marcara um possível ponto de exploração no mapa de túneis. Ele liga para a minha sala às 16h da tarde e avisa que há um túnel de esgoto numa estrada sem saída, localizada num bairro extremo de Shamestore. Fica bem na frente de um frigorífico, cujo endereço é 24. Nós marcamos de nos encontrarmos com Laura às oito pra irmos até lá dar uma olhada.

Percebo que muito mudou nos três meses que eu estive presa. Não só pela verdade que veio à tona, mas nos pequenos detalhes envolvendo minha rotina diária. As pessoas continuam cochichando, na maioria das vezes que me veem na rua. Antes, porém, havia medo na maneira como olhavam. Agora é apenas uma curiosidade respeitosa. Antes eu ficava desconfortável só de pensar no John, na Sra. Martines ou na obsessão da Laura sobre o crime. Agora estou menos confusa, mais tranquila, mais na minha. Tirando o fardo que Sra. Vargas colocou nas nossas costas, pouco mais me incomoda.

Infelizmente não cheguei a conversar com a Sra. Vargas desde que Laura e eu fomos libertas. Não tive tempo e, para ser sincera, nem vontade. Laura continua insistindo que eu vá, mas eu sei que não é com a Sra. Vargas que teremos novas respostas. Agindo sozinhas é que sim.

– Tá ok, a estrada fica a umas quinze quadras ao sul, na direção do bairro Worlitz – diz Matheus às nove em ponto, enquanto esperamos pela Laura no carro dos meus pais.

A Teoria da Bolha de SabãoWhere stories live. Discover now