Capítulo 6 - Surpresas

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Me pego pensando em meu pai. Onde estará ele numa hora dessas? Dormindo numa mesa de bar ou em alguma esquina como um vira-lata talvez? Será que anda com alguma drogada enquanto paga suas drogas e bebida durante a noite até que amanheça o dia? Acredito que esqueceu que ainda o chamo de pai.

3 da madrugada e não consigo dormir. Ando preocupado com tantas coisas, tarefas e pessoas, nem vale a pena gastar meu tempo do meu dia com coisas tão desnecessárias e tô perdendo o sono por pouca coisa. Ansiedade me traçou de vez.

Meu sonho é o palco e dele fui arrancado por ser quem sou. Será realmente bom que o futuro guarda parar mim? Essa dúvida me mata.

Era uma sexta-feira, cheguei da escola me arrumei e fui para Universo com uma melancolia desgraçada enquanto um sentimento voltava a me aflorar. Encontrar Rud seria uma tortura e mesmo assim me atrevi a ir.

Elton me esperava logo na entrada da igreja, sabia que um esporro merecia justamente para que eu pudesse acordar do estado em que estava.

Ignorou meu boa noite e me chamou para conversar na sala do TTC. Seriamente me olhava no fundo de meus olhos.

- Acredito já saber o motivo pelo qual te chamei aqui.

Evitei abrir minha boca para me manter calmo sem que ficasse óbvio o meu estado naquele momento.

- Está tendo algum tipo de envolvimento com Rud? Não minta para mim. Não nasci ontem, Rafael.

- Não devo explicações sobre minha vida pessoal a ninguém. A única coisa que posso lhe dizer é que quando eu achei que fosse começar a confiar em alguém, me enganei.

- Deveria manter o foco no seu grupo, ele está perdido. Há tanta coisa para se preocupar em fazer.

Elton já deveria saber que me colocando contra a parede não conseguiria nada sobre o que realmente queria saber.

Tô cansado de sempre me cobrarem coisas e soluções e nunca me olharem como humano que sou. Temos dias que desejamos o sabor doce e amargo do beijo da morte em nossos lábios para conquistar a tão sonhada paz, nunca pensei que esse querer fosse tão forte como nos últimos dias.

- Pessoas contam com você, não pode deixá-las na mão. Se precisa tanto de apoio, conte comigo sempre.

- Era só isso? - pergunto sem ânimo.

- Me promete que vai manter o foco?

- Até logo, pastor.

Insistir em permanecer naquele lugar e vou para casa. Ainda era cedo, 19h da noite. Minha mãe estava em casa com meu irmão. Melhor sofrer no calor de minha cama do que num lugar frio como cemitério a noite.

Ao chegar em casa, lugar que não deveria ter saído naquele dia, sou surpreendido com uma empolgação fora do normal vinda de minha mãe que está na cozinha preparando algo.

- Ainda bem que chegou! - Dona Glória fala super alegre. - Tenho uma surpresa para você e espero que disfrute!

Ela parece não lembrar da primeira e única surpresa que fizeram para mim quando era criança. Era meu aniversário e nunca pedi nada de presente, isso a incomodava. Ao entrar na sala de minha casa fui recebido com um coro alto e forte "surpresa!" e em seguida começaram a cantar parabéns para você como se eu fosse gostar, como se me conhecessem de verdade.

No mesmo instante tive um surto, onde saí batendo em todos descontroladamente. Machuquei meu pé na porta, sangrou horrores. Fui contido por alguém que me segurou pelos braços para não machucar mais ninguém. Não senti nem o álcool que colocaram no ferimento. Foi naqueles instante, aos 12 anos de idade, que me dei conta que surpresas não eram tão boas como as outras pessoas acham. Por conta disso, prefiro que me perguntem o que quero receber de presente antes de me presentear já que nunca conseguem acertar o que realmente gostaria de receber, sei que é sem graça, mas pelo menos não precisarei fingir que gostei ou surtar como nesse dia surtei, e assim ficarei feliz.

Meu aniversário e outras datas comemorativas estavam distantes. Curioso do jeito que sou, fui à sala como ela me pediu e me deparo com a tal surpresa.

Encontro uma garota com vestido preto e maquiagem básica sentada em nosso sofá, tv ligada e no centro de mesa alguns bombons de chocolate.

Comprimentei a garota por educação, volto a cozinha e vejo que Dona Glória está preparando dois pratos, entendi no mesmo instante do que se tratava.

Me aproximo pertinho de minha mãe para perguntar e confirmar se era realmente o que pensava.

- Quem é essa menina e o que ela está fazendo aqui? - pergunto a minha mãe.

Ela rapidamente pega sua bolsa que estava no balcão naquele pequeno cômodo e me mostra o que fez.

- Aqui é para vocês, uma macarronada caprichada! Seu irmão não está em casa, pedi para que saísse e vou fazer o mesmo. Espero que possa conversar com Luísa e quem sabe aproveitar um pouco ao lado de uma menina tão linda, educada e cristã.

Sem mais nenhuma palavra, Dona Glória se retirou sem dizer ao menos onde ia.

Tento fingir naturalidade e volto à sala. Luísa era realmente bonita. Cabelo preto cacheado sem muito volume, pele clara como a minha e uma voz doce e suave como se cantasse a cada fala. Poderia ser o sonho de vários garotos mas, infelizmente, fui o "premiado".

Não seria tão medíocre em perguntar se alguém a pagou para ter um encontro comigo, eu sou bonito, isso não posso negar.

- O que gostaria de fazer? - ela me perguntou tranquilamente.

- Sinceramente, não sei. Nunca tive um encontro antes, e muitos menos arranjado.

Estranhamente, sua reação ao me ouvir foi uma catarse. Me sentei ao seu lado no sofá e passamos a conversar. Enquanto os assuntos iam e vinham, Luísa se aproximava aos poucos. Me sentia estranhamente bem ao seu lado, até o momento em que ela pôs sua mão em minha coxa. Tal ação me fez perder totalmente o foco de minha fala naquele instante.

- Quer assistir algo ou comer o que minha mãe preparou para nós? - deixo explícito meu nervosismo.

- Tudo bem.

QUE RESPOSTA VAGA! Fiquei sem saber o que fazer e falar! Era um sim para o filme ou para a comida?!

- Certo. Qual filme quer...

Luísa me interrompe com um beijo. No mesmo instante, lembrei de outra pessoa.

O perfume dela não era amadeirado como o dele. Os lábios dele não eram tão pequeninos quanto os dela. Aquelas mãos eram as mais macias que já toquei. Não hesitei em nenhum momento, me deixei levar.

Me senti a vontade para tocar em seu rosto e cabelos. A maquiagem não era um problema, na verdade aquela ação era. O mais estranho de tudo foi a excitação que me causou quando ela, entre os beijos, subiu em mim.

Minha cabeça gritava "ISSO NÃO ESTÁ ACONTECENDO!" mas sim, estava, e eu curti até que lembrei que sou gay. Deu uma pausa e a olhei e não, não era quem eu queria que fosse, logo tudo desmoronou. O corpo que rapidamente se esquentou, na mesma velocidade esfriou.

- Não podemos fazer isso, me desculpe.

A retirei de cima de mim, e levantei do sofá. O volume de minha calça murchou.

- Não quero ser grosseiro, nem pedir que vá embora.

- Relaxa. Eu entendo. Foi tudo muito rápido. Me desculpa. E não precisa se preocupar, não contarei a ninguém sobre o que aconteceu aqui, muito menos a sua mãe ou meu tio Elton, ele é pastor da igreja que vocês frequentam, não é?

- Pera. Pera. Pera. Espera um instante! Elton, é seu tio?!

- Sim. Foi por ele que conheci sua mãe.

Acho que minha pressão caiu ou explodiu. Fiquei pálido. Ela simplesmente saiu sem dizer mais nada, se foi após me dar um beijo na bochecha.

Voltei ao meu quarto ainda de boca aberta, sem reação e sem conseguir assimilar o que tinha acontecido.

Umas horas depois Edi e minha mãe chegaram. Notaram os pratos intactos, no mesmo lugar onde Dona Glória os deixou, a tv ligada e o sofá bagunçado.

Bateu na porta de meu quarto acreditando que eu estava trancado com a tal pretendente. Ignorei-a.

Meu PastorWhere stories live. Discover now