15. Anjo Guerreiro (p.3)

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As masmorras pareciam um imenso labirinto de pedra, e Arthur estava se sentindo ainda mais confuso devido ao efeito da droga que corria em seu sangue. Chloé o segurava pelo braço, como se tivesse medo que ele caísse no chão de uma hora pra outra.

Miguel estava alheio a situação. Não dizia qualquer palavra, e isso estava incomodando Arthur, que gostaria de saber o que estava passando na cabeça dele. As vezes ele olhava pra trás, só pra ter certeza de que ainda estava sendo acompanhado.

Arthur seguia em sua indolência. Chegar ali tinha sido fácil, provavelmente fora trazido por um feiticeiro. Não fazia a menor ideia de que seria tão mais longo o caminho da saída. Estava com uma imensa preguiça de continuar andando.

— Precisa andar rápido, Arthur — Chloé falou baixo, o puxando pelo braço para apressa-lo.

Mal prestando atenção, os dois quase esbarraram em Miguel quando ele parou repentinamente, apurando os ouvidos.

— Tem alguém vindo aí — sussurrou antes de empurrar Arthur e Chloé para um corretor escuro. — Fiquem quietos.

Isso não foi difícil para Arthur, que o que mais queria era ficar parado e quieto. Imaginou que deveria estar nervoso ou com medo, que seu coração devia estar batendo forte, mas não estava. Quase riu da situação, que naquele momento parecia engraçada.

Alguém passou pelo corredor onde os três haviam estado há alguns momentos. Os passos eram silenciosos, e a silhueta era de um homem alto. Morselk, Arthur adivinhou.

Estava indo ver eles, e não ia encontrar ninguém lá. Mais uma vez, Arthur foi invadido pelo desejo de rir, mas Chloé deve ter percebido, pois tampou sua boca com a mão e apertou seu braço com força.

Permaneceram em silêncio por um minuto, mas algo estava errado. Os passos de Morselk também haviam parado.

Sem conseguir se conter, Arthur se aproximou da saída do corredor para espiar. Chloé o puxou para trás, agarrando sua bainha, bem a tempo de livra-lo de ser perfurado por uma adaga, que passou zumbindo a um centímetro do seu nariz.

O som metálico ecoou pelos corredores bem quando as luzes no teto de pedra se ascenderam. Morselk estava bem em frente a eles, empunhando uma espada em casa mão.

Mas ele não atacou, estava estarrecido.

— Miguel? — ele falou, olhando para o filho com um olhar traído.

Miguel desembainhou a espada das costas e o atacou com velocidade. Morselk transpôs as próprias lâminas, bloqueando o golpe e gerando um barulho com o impacto do metal contra metal. E com um giro de mãos, derrubou a arma do filho.

— Como pôde fazer isso? — Morselk perguntou, respirando com dificuldade. Tinha abaixado as espadas, e Miguel também não parecia pretender tentar ataca-lo novamente.

Permaneceram todos de pé, incapazes de qualquer ação em tais circunstâncias. A primeira a fazer alguma coisa foi Chloé, que inesperadamente, retirou uma lâmina do cinto de Miguel, e a segurou sobre o pescoço do garoto.

— Faça alguma coisa — ameaçou ela — e seu filho morre.

Morselk riu, gargalhando de deboche, seu corpo tremia quando fazia isso é as rugas nos cantos dos olhos  se aprofundavam. Arthur se deu conta de que odiava aquela risada como nunca havia odiado qualquer outra coisa na vida.

— Você não vai fazer isso, guardiã — zombou ele. — Nunca vai ter coragem, e mesmo se tivesse, vocês faunos não sabem viver com sangue nas mãos.

— Tem razão, ela nunca vai ter coragem de me matar — disse Miguel e tirou a lâmina da mão de Chloé, a mantendo apoiada no próprio pescoço. Enquanto ela estava segurando, o gume mal o tocava, mas ele fazia isso com mais firmeza, de forma que não demoraram a escorrer as primeiras gotas de sangue. — Mas eu tenho.

Morselk não se moveu, e Arthur teve a impressão de que ele estava prendendo a respiração.

— O que é mais importante: sua vingança, ou seu filho? — Miguel especulou. — Se não nos deixar sair daqui, pode até conseguir pegar Marina, mas vai me ver morrer. — Ele firmou ainda mais a lâmina no próprio pescoço. — Outra vez.

Arthur olhou de um para o outro. Não sabia o que ele queria dizer com "morrer outra vez", mas sem dúvidas, havia surtido efeito. Morselk havia empalidecido.

Então era isso, Arthur pensou, Miguel era o ponto fraco de Morselk. Era a única coisa com a qual ele se importava o suficiente para deixá-los sair dali. Ele nunca machucaria o próprio filho e não suportaria vê-lo morto.

— No instante em que você tirar os dois daqui, quero que esteja ciente de que estará começando uma guerra — alertou Morselk.

— ‎O senhor fez eu me preparar para a guerra a vida inteira — Miguel respondeu. Sua mão não vacilava, não havia qualquer hesitação na possibilidade de suicídio. — Então vou aceitar de bom grado as consequências dos meus atos.

Não houve resposta da parte do pai. Ele embainhou suas espadas, e deu um passo para o lado, liberando a passagem do grupo.

Os três se apressaram em passar por ele, e antes que se afastassem, Miguel se virou para falar com Morselk uma última vez.

— Sinto muito, pai.


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