1. In Vino Veritas (p.2)

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— Meu Deus, Lívia, o que foi isso? — questionou Arthur, estupefato.
Mas ao invés de responder, ela levantou-se e saiu correndo feito louca. Logo Arthur estava em seu encalço.

Ela era rápida, mas ele estava acostumado a ter que correr dentro da floresta atrás de animais, para o próprio bem deles. Ela, porém, provavelmente não era tão bem treinada nisso, ia acabar se machucando.

— Para com isso, Lívia! — gritou
Arthur conseguiu a alcançar, agarrou-a e caíram juntos no chão.

— Do que você está fugindo? — disse, exasperado, abracando-a, para que ficasse imovel — podia ter caído e se machucado feio!

— Me solta! — foi o que ela disse, rolando para o lado enquanto tentava, em vão, se livrar das garras do rapaz.

— Meu Deus, já ouvi muita coisa sobre os anjos, mas que vocês são loucos, ninguém tinha comentado — disse Arthur, e os olhos azuis da garota encontraram com os seus, neles havia sinais de confusão e... medo. Por que ela teria medo dele? — você é um anjo não é?

— Anjo? — Foi o que Lívia conseguiu dizer.

Arthur refletiu um instante

— Se eu te soltar, promete que não vai fugir?

Lívia hesitou.

— Eu não vou te machucar, se depois que a gente conversar você quiser ir embora, juro que não vou te impedir.

A garota assentiu. Nem ela mesma sabia por que estava tão aflita. Arthur a libertou. Sentaram e Arthur tirou lhe uma mecha de cabelo ruivo que cobria seu rosto.

— Você está bem? — perguntou cuidadoso. — Se machucou? Ou eu te machuquei?

Lívia balançou a cabeça.

— Eu tô bem.

Caminharam em silêncio de volta à clareira em que haviam se instalado.
Arthur não parava de pensar em como as coisas faziam sentido agora.
Ao chegarem, Arthur afagou Sir. Lancelot e pegou sua mochila.

— Você não amarra seu cavalo — Lívia afirmou enquanto sentava-se no chão.

— Não, eu não amarro. Ele é livre, mas acho que ele gosta de mim, então ele é meu fiel escudeiro. Eu o chamo de Sir. Lancelot — respondeu enquanto caminhava para se sentar em frente a moça.

— Ele nunca fugiu? — Ela parecia admirada

— Por que ele deveria? Eu o trato bem, cuido dele. É meu melhor amigo — disse já sentado, mexendo em sua mochila. — achei! — Ele tirou de dentro dela uma garrafa de vinho. — Vamos beber um pouco.

— Está brincando? Isso é hora de beber? — perguntou Lívia.

Arthur deu de ombros.

— Existe hora certa pra beber? — Questionou enquanto abria a garrafa e bebia um pouco — In vino veritas. No vinho, a verdade. Beba também.

Arthur ofereceu e ela hesitou, mas por fim, tomou a garrafa de suas mãos e bebeu.

— As Pessoas contam uma história sobre como surgiu esse ditado. Dizem que tinha um jovem sacerdote muito tímido que dava sermões que não entusiasmavam os fiéis. Um dia, o bispo pediu pra falar com ele e quando se encontraram, sugeriu ao jovem que bebesse alguns cálices de vinho antes de começar o sermão e o ele aceitou o conselho. Aparentemente, acabou com sua timidez. O jovem sacerdote enalteceu tanto as virtudes do cristianismo que o bispo, espantado com a transformação, imaginou que ele tinha exagerado nos copos.

Lívia riu, bebeu um pouco mais, e devolveu a garrafa.

— Da pra imaginar que o tal jovem sacerdote tenha ficado bastante soltinho.

Ela continuava sorrindo e Arthur se sentia hipnotizado. Lívia o deixava desconcertado. Respirou fundo e deu dois longos goles no vinho.

— Então, Anjo, por que você fugiu?

Lívia corou.

— Eu não sei — respondeu embaraçada — acho que entrei em pânico, minha tia sempre disse que ninguém podia saber o que eu... Eh... Sabia fazer.

— Onde está essa sua tia? — Arthur quis saber — ela não estava na casa que pegou fogo, estava?

A garota encolheu-se e abraçou os joelhos, já não restava mais nenhuma sombra de humor em sua expressão.

— Não, ela não estava — sua voz abaixou — ela morreu faz uma semana, desde então, estive sozinha na casa em que nós morávamos.

— Oh... Eu sinto muito.

— Tudo bem, ela já era bem velhinha, acho que não era minha tia mesmo, só pedia pra que eu a chamasse de tia. Talvez fosse no máximo minha tia-avó. Eu gostava dela mas já sabia que não levaria muito tempo pra ela... Você sabe... — Sua voz agora era um sussurro — Eu já esperava... Ela andava muito doente... Pelo menos acabou o seu sofrimento...

— Tudo bem, não precisamos conversar sobre ela. — Arthur tentou parecer solidário. — Mais vinho? - ofereceu.

Lívia assentiu e bebeu um longo gole, devolvendo a garrafa onde Arthur bebeu igualmente em seguida.

— Então, que história é essa de anjo?

— Sua tia nunca te disse o que você é? — perguntou Arthur. Ela balançou a cabeça negativamente e contou que tudo o que sabia tinha aprendido em livros, nada mais. Então Arthur resolveu explicar: — Existem seres elementais muito antigos. Uma espécie para o ar, uma para a água, outra para a terra e mais uma para o fogo. Vivem em reinos proprios e costumam entrar em guerra frenquentemente, apesar de tudo ter estado bastante calmo entre eles ultimamente. Você deve ser da espécie da água.

— Mas por que se chamam anjos?

— Todos tem uma beleza desconcertante. Devia ter notado que você era um anjo assim que eu te vi. — Arthur sentiu o rosto queimar, mas ainda assim emendou: — Você é desconcertantemete linda.

Lívia pareceu ainda mais constrangida do que Arthur, como se nunca tivesse recebido um elogio na vida, mas logo disse:

— Você também é um anjo?

— Eu? — espantou-se ele.

— É... Sabe... Você também é desconcertantemente lindo — disse a garota corando quase até o tom dos cabelos.

Seguiu-se uma pausa constrangedora, até que ela pegou a garrafa de vinho e bebeu, em seguida, Arthur imitou com o que restou do vinho, deixando a garrafa enfim vazia de lado. Levantou o olhar para ver um par de olhos azuis fixos nele.

Ela parecia o puxar para perto, como um imã faz com metal. Já não aguentando mais a distância, Arthur acaba se aproximando e a beijando. Mas se afasta logo em seguida, envergonhado, rindo e dizendo:

— Perdão, acho que o vinho me deixou tão soltinho quanto o jovem sacerdote da história...

Dessa vez, é Lívia quem se aproxima de Arthur, dizendo em voz baixa:

— Acho que me deixou bastante soltinha também.

Ela o beijou, e quando Arthur se deu por conta, já estavam os dois embolados no chão, ainda se beijando. Em algum momento, o cérebro do rapaz funcionou brevemente e ele se lembrou de uma pergunta não respondida, afastou-se então do rosto da moça em seus braços apenas para enfim dar sua resposta:

— Lívia?

— Sim?

— Eu não sou um anjo, sou guardião da fauna.

— Um guardião da fauna lindo como um anjo.

Arthur sorri e então beija Lívia novamente.

* * *

Arthur acordou debaixo de uma árvore, abraçado a uma Lívia adormecida que ainda usava suas largas roupas desde que a encontrara no casebre destroçado.

Levou um tempo até que sua mente clareasse e ele se lembrasse do que tinha acontecido.

Depois de muitos beijos, risos histéricos de piadas sem graça e mais e mais amassos, ambos começaram a se sentir extremamente cansados e se deitaram na sombra pra dormir.

"Droga, Diana!" Pensou Arthur.

Anjo de ÁguaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora