6. A Biblioteca de Alexandria (p.2)

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Diana havia dado para Lívia uma grande pilha de desenhos.

— Desenhos que fiz da sua mãe — informou ela, e parecia haver um certo carinho em sua voz. — Achei que pudesse querer ver.

Lívia assentiu e levou a pilha para uma mesa no canto da sala de arte, onde sentou-se e começou a analisar os desenhos um por um.

Alice havia sido bonita, Lívia pensou.

— Como ela morreu? — perguntou Lívia, desviando a atenção dos desenhos para Diana, que havia se sentado ao seu lado.

A feiticeira pareceu triste, e apoiou a cabeça em uma das mãos, estava com o cotovelo sobre a mesa. Ela nunca pareceu tão pequena. Diana era mais baixa do que Lívia, mas o tipo de pessoa tão imponente que parecia mais alta do que realmente era.

— Ela... Bem... — Diana hesitou. — Eu nunca contei isso pra ninguém.

Lívia voltou a atenção para os desenhos passando por um onde sua mãe sorria enquanto estava sentada encostada no tronco de uma árvore.

— Se não quiser...

— Você tem o direito de saber, mas... — Diana hesitou. — Me desculpe... Eu acho que preciso de um tempo pra me preparar pra relembrar isso.

— Não se preocupe — tranquilizou Lívia —, está tudo bem.

Diana afagou os cabelos da menina enquanto ela voltava a ver os desenhos. Em algum momento, a feiticeira saiu do quarto sem que ela percebesse.

Haviam desenhos de Alice sorrindo, lendo, arrumando o cabelo, desenhando e repetidamente grávida e com um bebê no colo. Também havia entre os desenhos a imagem de um homem de pé ao lado de Alice, de cabelos e olhos escuros, com uma mão em seu ombro enquanto ela segurava o bebê e sorria.

Lívia levantou os olhos para ver que Diana estava de volta.

— É meu pai? — perguntou Lívia.

A boca da feiticeira se contorceu em desgosto.

— Não, não é seu pai — disse secamente, mas foi mais gentil em seguida. — Tenho uma coisa pra te dar.

Lívia assentiu e quando Diana estalou os dedos os papéis desapareceram deixando apenas uma fumaça vermelha para trás. A feiticeira, que estava de pé ao seu lado, sentou-se, exibindo para Lívia uma pequena caixa azul que trazia nas mãos.

— Seu pai deu pra você quando nasceu — disse Diana abrindo a caixinha. — Quando te entreguei pra Bella, eu guardei comigo pra te devolver quando fosse mais velha.

— Meu pai? — perguntou ela pegando a caixinha na mão.

Havia ali uma única pedra azul circular, presa dentro de uma espécie de anel de ouro, com uma delicada corrente dourada. Lívia tirou o colar da caixa e olhou de perto. Havia uma inscrição gravada no anel em torno da pedra.

— Ignis Aurum Probat — leu ela em voz alta e levantou o rosto para Diana, que observava sua reação. — “Ignis” como Marina Ignis. O que significa?

— É Latim. O fogo testa o ouro. Ignis significa fogo. O ouro é moldado pelo fogo e a pedra no colar se chama água marinha. Imaginei que seu pai quis dar pra você algo que representasse o fogo e a água, mas também tem o fato de que a inscrição é um ditado popular, que significa o que tem valor resiste ao fogo, passa por dificuldades sem quebrar. E a pedra de água marinha também era usada por marinheiros como uma espécie de amuleto de proteção. — Diana pareceu pensativa. — Lembro de ter refletido um tempo sobre o que seu pai estaria pensado e cheguei a conclusão que ele deveria querer que você mostrasse o quanto era forte, e que estaria sempre protegida.

Lívia olhou de volta para o colar em sua mão.

— É absolutamente lindo, significado também. Eu... — Ela hesitou. — Posso ficar com ele?

— É claro! — exclamou Diana se levantando da cadeira. — Isso sempre foi seu, só estava guardado. — Ela estendeu a mão para a joia na mão da menina. — Posso colocar em você?

Lívia assentiu e o entregou a Diana, que habilmente o prendeu ao seu pescoço. A feiticeira a olhou e sorriu.

— Combina com seus olhos.

— Como se chamava meu pai? — perguntou ela com curiosidade.

— William Álvares — respondeu Diana e fez um gesto de desdém ao sentar-se de volta —, mas não me faça muitas perguntas sobre ele, não o conheci bem.

— Ele está morto também, não está? — perguntou Lívia, já sabendo a resposta. Diana afirmou com a cabeça. — Então sou órfã. Sempre fui, acho que eu só nunca pensei nisso. Tia Belinda tinha algum parentesco comigo?

— Tinha. — Diana pôs o cotovelo sobre a mesa e apoiou o rosto na mão. — Bella era sua avó.

— Minha avó? — repetiu Lívia confusa. — Ela era De Água?

Diana balançou a cabeça.

— De Fogo? — perguntou Lívia novamente.

— Humana. — informou Diana — engravidou de um anjo de água. Sei que você ainda não sabe muito, mas quando um humano tem filho com um de nós, a criança pode nascer humana ou não. Mas não se torna híbrida porque os humanos têm o sangue puro. Só as vezes acontece uma certa mistura. — Ela apontou para si mesma. — Como eu, por exemplo. Minha avó materna era do povo das fadas e meu avô era humano, minha mãe nasceu humana com um pouco de sangue de fada. Quando se casou com um feiticeiro, primeiro nasceu minha irmã, que era humana como nossa mãe, e depois eu nasci feiticeira. Com um pouco de sangue de fada, mas não sou híbrida.

— Isso é um pouco confuso. — Lívia fez careta. — Isso te dá algum poder especial?

Diana sacudiu a cabeça negativamente.

— Não. Só consigo me relacionar um pouco melhor com o Povo das Fadas. Mas eu sou feiticeira, apenas feiticeira.

Lívia cobriu o rosto com as mãos e apoiou o braço na mesa.

— Ainda tenho tanto pra aprender — disse entre os dedos e sentiu a mão da feiticeira passar suavemente pelo seu cabelo.

— Mas você vai aprender, tenho certeza.

Anjo de ÁguaWhere stories live. Discover now