Mágoas

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A luz machucava meus olhos. Caramba, quantos anos faziam que eu não via a claridade?
E aquelas paredes brancas?...Santo Deus! Um manicômio! Sempre temi que uma hora ou outra alguém fosse tomar essa providência.
Já estava pronta pra fazer um escândalo e dizer que não era louca porcaria nenhuma quando a realidade me atingiu.
O sequestro. O túnel. O escorpião...Eu tinha conseguido sair daquele lugar?
Richard... Me lembrava de ter sonhado com ele. Ou será que tinha sido verdade?
Tentei me levantar. Fios prendiam meu corpo. Mas que diabos...
Uma mulher de rosto simpático se colocou em minha frente.
- Olá, querida. Como está se sentindo?
Esfreguei os olhos.
- Sonolenta. Dolorida...E com fome. Muita fome!
A mulher riu.
Eu seria capaz de comer um bode!
- Vamos dar um jeito nisso. - Tranquilizou - Tem muita gente ali fora querendo te ver.
Franzi a testa.
- Que...
A mulher - enfermeira - provavelmente, virou o pescoço para o lado como se visse alguém e se afastou. A porta bateu.
- Acho que o jogo virou, não é mesmo, maninha?
Soltei uma risada quando Cibelly entrou em meu campo de visão, risada essa que se apagou assim que Richard apareceu ao seu lado.
O que ele estava fazendo aqui?
Imediatamente senti a necessidade de um espelho. Minha aparência não devia estar das melhores.
- Isso não tem graça Cibelly- Mas acabei esboçando um sorrindo forçado.
- Não tem mesmo.
Richard continuava me encarando como se quisesse ter certeza de que eu não iria ter um ataque.
- Oi. - O que mais eu poderia dizer?
Ou eu me jogaria nos braços dele ou então arrumaria alguma coisa e arremessaria em sua cabeça. Então resolvi me manter neutra.
Cibelly levantou uma sobrancelha que quase alcançou sua franja cor-de-rosa. Desde quando ela tinha recebido alta do hospital?
- Vim só ver como você estava. Teremos muito tempo para colocar o papo em dia depois - Falou se afastando - Beijinhos de purpurina. - Cantarolou.
Me soprou um beijo, virou as costas e saiu.
Traíra!
- Está se sentindo bem? - Ele parecia não saber onde colocar as mãos. Acabou as enfiando no bolso. Seu braço estava enfaixado e imobilizado.
- Hã...Sim, eu acho. Um pouco estranha, na verdade- Confessei.
Ele se alarmou.
- Estranha? - Seus olhos percorreram meu corpo de uma maneira constrangedora.
- Eu estou bem. É sério. Não é nada - Sua postura não relaxou - O que aconteceu?
Richard hesitou.
- Fala logo.
- Você precisa descansar.
Lancei um olhar furioso.
Ele puxou uma cadeira e me narrou a história mais maluca de todos os tempos. Espera ai, como meu pai apareceu no meio disso? E Nicholas... Aaah Meu Deus! Nicholas...
- Ele entrou na minha frente - Richard contou - Se não fosse por ele...
Balançou a cabeça.
Ainda não conseguia acreditar. Nicholas. Não. Quando percebi já estava chorando.
- Droga Drayton! Está vendo porquê não queria falar?
Limpei os olhos com as costas da mão.
- De todo jeito eu iria saber. Pelo menos você não omitiu as coisas de mim dessa vez.
Meu tom era de acusação. Passei dias chorando por culpa dele. Agora, ele que aguentasse.
Passou as mãos pelos cabelos desgrenhados. Oh... era a bagunça mais linda do...
Foco Kimberlly! Foco! Mas havia uma coisa que eu queria saber.
- Por quê?
Richard franziu a testa.
- Porquê o quê?
Me arrependi de ter tocado no assunto. Mas seria hipocrisia da minha parte não responder. Começou agora termina.
- Por quê foi atrás de mim? Culpa? - Era a única explicação plausível.
Ele abaixou a cabeça, olhou para o teto e finalmente para mim. Aqueles olhos verdes eram realmente incríveis!
- Kimberlly... Minha nossa - Deu uma risada nervosa - Juro que passei horas em frente ao espelho pensando no que falar...Mas agora, olhando pra você, simplesmente não sei...
Fechei os olhos com força. Encará-lo estava me deixando pertubada.
- Seja você mesmo,Richard Laurent. - Falei.
Ele demorou um pouco até começar a falar novamente.
- Já ouviu dizer que os buracos negros sugam os planetas? Bom, minha culpa me matava. Mas não, não é isso que você está pensando. Eu me senti culpado por inventar milhares de obstáculo para afastar você. Me senti culpado por te magoar. Não, eu não aguento te ver chorando. Se você soubesse o quanto fica linda quando sorri...de maneira que ofusca até o sol ... com certeza sairia por ai distribuindo sorrisos e eu queria uma maneira menos parecida com comercial de dia dos namorados, para te dizer tudo que eu sinto mas talvez eu goste dos clichês. - Meu coração disparou, tanto que minhas costelas chegaram à doer.
O visor cardíaco subiu e apitou de um jeito constrangedor. Senti meu rosto esquentar. Richard deve ter percebido, porque riu e continuou:
- Você merece saber que aquela noite, a nossa noite, foi a melhor. Não me arrependo daquilo, Drayton. Eu só... Não consegui lidar com meus sentimentos e fui covarde. Quando te dei as costas tudo o que mais queria era voltar de joelhos e implorar que me amasse, que me entendesse, que me deixasse permanecer em sua vida pra sempre. Kimberlly Drayton, eu te amo. Soube disso desde que você chegou na minha vida como um foguete e a virou de ponta cabeça. Sabia que bagunçaria meu cérebro de forma permanente. Você consegue me levar do céu ao inferno em um segundo, Kimberlly, e consegue fazer com que eu me sinta vivo! E não vejo possibilidade alguma de sentir isso com outra pessoa algum dia. Você se meteu em um grande problema. Lamento.
Ele tinha falado tão rápido mas de uma forma tão clara. As três palavras tinha sido marcadas à ferro em minha alma. Eu te amo.
Queria poder dizer essas três palavras à ele também. Queria puxá-lo para mim e ter certeza que seu beijo ainda era tão bom quanto eu meu recordava. Mas então minha barriga fez um barulho terrível que estragou completamente o momento. E o maldito televisor cardíaco continuava disparado. Nem dava pra esconder.
- Você está com fome - Ele se levantou.
Eu não queria que ele fosse embora.
- É. Acho que preciso de um boi para matar minha fome.
Oh! Claro que era eu quem acabava com o clima!
Richard sorriu, embora não parecesse com vontade de fazer isso.
- Talvez um X-Burguer completo ajude. - Levantei as sobrancelhas- Tudo bem. Dois X-Burgueres completos!
Soltei uma risada.
Ele se virou para sair.
- Richard?
Uau. Essa virada foi rápida.
- Algo errado?
Simplesmente sorri e quando seus olhos se iluminaram, sorri mais ainda.
- Obrigada. - Saiu quase como um sussurro.
Notei a confusão em seu rosto. Não Richard, eu não estava agradecendo pelo sanduíche.

Inverno Em Saturno Where stories live. Discover now