Passado e Presente

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—Cemitério Père Lachaise!

—eu gosto de Paris, mas evito lugares muito lotados.

—com tantos lugares tinha que nos trazer para um cemitério?

Dominic ri, ele me aperta com força, minhas irmãs estão explorando o lugar sempre sorridentes, o celular ligado, selfies a todo vapor desde que saímos do hotel, não vim a este ponto turístico em nenhuma das vezes que estive em Paris, nem na infância nem na adolescência, minha mãe detesta cemitérios, mas confesso que esse é tão fascinante!

Tem todo aquele charme—se é que posso chamar de charme—do século XVIII, cada lápide é composta pro casas com portas, são antigas mas nada que lembre algo ruim ou deprimente, quase não há flores nas lápides, tem árvores por todo canto, devido a época, secas, quase sem folhas.

Tem estátuas decorativas em algumas, estátuas em forma de anjos, e todas com um estilo gótico inspirado nos séculos passados, andamos devagar, o lugar muito mais lembra um museu do que um cemitério em si.

—onde está o seu lado romântico meu amor?

Da vontade de rir, não sei se tenho um lado romântico, não faço muito a linha carinhosa, acho que nasci para pertencer a uma família, dar amor e carinho a todos, mas quando se trata de namorados, eu meio que travo, me dedico, me esforço, faço as coisas darem certo, porém não sou muito afetuosa, com o Henry eu nunca fui.

—deve estar em algum lugar vagando.

—sou meio meloso as vezes, fiquei mais derrubado depois da doença sabe? Eu não era assim, mas de repente, as coisas começaram a me fazer ver o quanto as vezes cada momento ao lado de quem amamos é precioso, não queria pensar como seria minha vida sem nunca mais ver meus pais, meus avós, minhas irmãs.

—eu vim das ruas, sempre tive a sensação de que alguma coisa estava errada comigo, desde pequena eu sofri muito sabe? Mas valorizo muito minha família, eu os amo, eles são tudo o que eu tenho.

—é meio complexo não é? Estive doente e fiquei com medo de não poder ter as pessoas que amo perto de mim, e você já nasceu sem ninguém por perto, como foi tudo isso?

—era muito pequena, minha mãe morreu ao me dar a luz e o meu pai não me queria, porque eu sou menina, ele se afundou na bebida e nos abandonou a sorte as margens do rio Ganges, um sacerdote falou que o Antônio era um Dalit, então nós dois ficamos na rua por algum tempo, até que um dia o meu pai estava andando pelas ruas da índia e viu meu irmão, Antônio pedia esmolas para nós vivermos.

—não é certo que se faça isso com nenhuma criança.

—não é certo que se abandone ninguém—respondo olhando para as lápides, andamos devagar—eu vivia me escondendo dos bichos.

—bichos?

—homens grandes, eles traficavam meninas para prostituição, muitos casais pegavam crianças e as levavam para fora do país, me escondia com o Antônio em muitos lixões, bueiros, vivíamos com fome, era uma vida ingrata para uma criança de três anos.

Dominic me olha concentrado, não me machuca mais, não me fere, foram muitos anos de terapia até entender tudo, compreender as coisas, hoje eu entendo que apenas era para ser.

—por isso o admira tanto não é mesmo?

—meu pai me salvou de uma vida muito ruim, eu me lembro que quando ele apareceu com alguns guardas eu entrei em desespero, pensei que ele me separaria do Antônio, lembro que chorava muito, ele não tanto quanto eu, mas lembro que quando meu pai me pegou no colo pela primeira vez, senti dentro de mim que ele era o meu verdadeiro pai, como algo maior que os laços de sangue.

—os laços de amor.

—me lembro que eu o agarrei e eu não o soltei mais, ele falava coisas que eu não entendia, era um homem branco que cheirava a algo bom, enquanto eu era uma criança suja e coberta de medo, maltratada pelo abandono.

—nunca conheceu seu pai?

—não, pelo o que eu soube eles não conseguiram localiza-lo, mas eu não ligo, pensei várias vezes em procura-lo quando fomos a Índia mas perdi a vontade, é algo do qual sei que ele não compreenderia, não valeria apena.

—o que não valeria apena?

—questionar tudo o que houve, o Antônio teve muita vontade de conhecê-lo, mas passa, eu acho que a única pessoas que eu queria mesmo conhecer, é a minha mãe biológica, saber onde foi enterrada, mas sei que nunca saberei, ela foi levada pelo rio Ganges.

—a cultura indiana é muito curiosa não? Eles idolatram um elefante, não comem carne e deixam suas crianças do sexo feminino morrerem.

—os índices de infanticídios lá são tão grandes quando as mulheres descobrem o sexo do bebê que eles implantaram uma lei, minha mãe estaria completamente ferrada, porque ela tem três filhas mulheres e ainda não sabemos o sexo do bebê.

—seus pais gostam de ter filhos.

—meus pais gostam de praticar isso sim!

Ele vai ficando vermelho, acabo por rir, Dominic me dá um selinho, passa o braço envolta de mim.

—sabe Charlotte, você é tão humilde, simples, nada do que as pessoas falam sobre você.

—falam sobre mim?

—você não lê esses sites de fofoca dos famosos?

—deveria?

—bem, não sei, Henry sempre se referiu a você como alguém difícil, apática as vezes.

—Henry é mimado, ele não sabe a posição dele no mundo, nem sabe o que quer, ele é manipulável, indeciso e um completo brinquedo nas mãos dos pais dele, se deixa levar por coisas pequenas.

—viu? Como eu disse, ele não estava certo...

Gargalho, não me importo de falar dele, pela primeira vez desde que nos conhecemos, agarro Dominic pelo pescoço e o beijo, ele me aperta, seus lábios são carinhosos, receptivos, adoro beijar ele.

—não importa de onde você veio querida, o que me importa é quem você é, você é uma mulher linda, forte, e eu adoro isso em você, cada dia a mais que sei da sua história fico mais fascinado.

Fico sem jeito.

—pronto—escuto Ceci fala.

Me viro para o lado e me deparo com a minha irmã apontando o celular para nós dois, reviro os olhos, Luh ri a beça.

—digam X—pede Cecí atenta ao celular.

Dominic se inclina e mete a língua na minha boca, recuo e rio a contra gosto.

—awnt!—Luh suspira—podemos tirar uma foto juntos?

—claro—Dominic pega o celular dela—vem amor.

Eu o abraço, minhas irmãs se juntam e se abaixam, Dominic beija a minha bochecha enquanto tira a foto, acabo rindo, me sentindo boba, nunca tirei fotos assim com o Henry.

Ele nunca foi agradável com as minhas irmãs, nem receptivo, contudo, de todas as formas, não me importo, Henry faz parte do meu passado, devo viver o meu presente, e o meu presente é ao lado do Dominic.

Espero que meu futuro também seja.





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Lottie  - DEGUSTAÇÃOOnde as histórias ganham vida. Descobre agora