A senhora chuva vos saúda

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- Certo mocinha, mas agora me explica, por que você me trouxe aqui em um Seminário Batista? Você não quer se tornar pastora nem eu, a Ally talvez mas definitivamente não nós, certo?

Rimos. A Camila piadista foi mesmo a descoberta mais fascinante que eu fiz sobre ela, o seu bom humor quase inabalável e a aura radiante eram sempre bem vindos pra mim.

- Na verdade eu queria mesmo estacionar a moto sem ter o risco de roubo por deixar no meio da rua. Nem roubo físico nem financeiro, tu sabe quanto custa um daqueles bilhetes de zona azul? É o dinheiro de uns dois, muito bem vindos obrigada, picolés!

- Uh, pão dura. Certo. - estendeu as mãos rindo. A olhei feio. Rumf. Não se faz piada sobre comida, ora pois!

- Além disso podemos começar o tour por aqui mesmo. Esse lugar era conhecido como o 3S, tipo, quando te perguntavam onde você morava e você morava aqui era só responder: Eu moro no 3S! - expliquei.

- Ué mas 3S? Não entendi...

- É ué, Seminário Batista, SEC e Sanatório. Tá vendo esse prédio aqui? - apontei pra um prédio enorme e moderno onde agora funcionava uma faculdade e ela assentiu - aqui funcionava um sanatório. Pra gente doida mesmo, sabe? - rimos - é sério. Quando a gente passava aqui eles ficavam todos encostados nas grades das janelas gritando -Ei! -Ei! -Ei! 

Ela gargalhou. Own que bonitinha...

- Sério Lo?

-Uhum, seríssimo. - falei a olhando. - Mas nosso passeio não acaba aqui, ele obviamente apenas começou, e é melhor nos apressarmos, o tempo tá fechando... - falei após observar o céu. Algo me dizia que este passeio terminaria de uma forma bem diferente do que o planejado e eu torcia para que fosse de uma forma boa.

[...]

Passeando pela Conde da Boa Vista, a cada sorriso admirado que Camila dava, minha alma de derretia um pouco mais. Andar aqui a pé é tão diferente... Eu sempre passo por aqui com Papa de carro mas andar e sentir toda essa mistura de aromas e cores tão de perto faz com que a experiência seja realmente diferente... - Ela dizia. E era mesmo. Andar por debaixo das altas marquises dos prédios, o contato humano com meio mundo de pessoas que também passavam por ali, os gritos de - Chip da Tim é 10 reaaaaaau! - dos vendedores ambulantes que também vendiam produtos de geração originais de última geração, claro e os frequentes vendedores ambulantes de CDs com seus carrinhos com caixas de som potentes. Todo o conjunto de sensações era tão bom quanto corriqueiro pra quem entra na rotina e perde a capacidade e realmente ver a cidade, um organismo vivo e em constante evolução.

- Ok Camz, aquela última rua que nós passamos é a Rua da Imperatriz, mais conhecida como rua das óticas. Não que você não tenha notado as apenas 23 óticas em um espaço de rua de 20 metros, ou aqueles vendedores gritando e oferecendo exames de vista e armações. - brinquei.

- Oh, eu não fazia ideia! Afinal, todos aqueles vendedores com alegorias, buzinas e fantasias de palhaço eram mesmo quase imperceptíveis... - ela debocha me olhando com ar de criança sapeca e respondona, o que me fez alargar ainda mais o sorriso em meus lábios.

- E agora... Um dos meus pontos favoritos de Recife. Chegamos. - falei assim que o sinal de trânsito deu preferência para pedestres e pudemos atravessar a rua. Eu realmente amava cada pedacinho de metal daquele lugal. - Senhorita Cabello, conheça, ou melhor, seja apresentada de forma apropriada, à Senhora Ponte da Imperatriz em todo o seu esplendor. - sorri.

- OH. MEU. DEUS. Lauren Jauregui! - ela olhava admirada enquanto andava rápido e analisava cada detalhe das grades pintadas de vermelho. - É tão mais linda de perto... Oh meu Deus, eu preciso do meu violino. Seria tão lindo tocar aqui. Meu Deus olha isso - saiu correndo rapidamente em direção à mureta de proteção. Pus minhas mãos nos bolsos traseiros do meu jeans e apenas fui andando calmamente enquanto a admirava com um sorriso ameno no rosto. Você também é tão mais linda de perto, Camz... Sorri ao pensamento.

Olhei para o céu que continuava nublado como já por todo o dia.

- Ora, venha logo Lauren, venha, e traga esse sorriso aí na sua boca pra cá! - quando eu voltei meus olhos para ela foi uma ligação de olhar com olhar. Verde no castanho. Era mesmo perfeito. - Olha lá em baixo! Tem um caranguejo ali no raiz daquela árvore no mangue... - apontou.

- Onde? - me aproximei mais dela olhando para a direção em que ela apontava. Eu não conseguia ver.

- Ali, boba... naquela árvore com a raiz que parece um coração.

- Continuo não vendo, Camz - suspirei.

- Aqui, bobona! - e então ela colocou suas mãos, uma em cada lado do meu rosto segurando minhas bochechas entre elas - vou te mostrar - e guiou meu rosto em direção ao caranguejo lá em baixo.

Eu fiquei tão sem jeito e nervosa com aquele contato físico repentino que sequer consegui prestar atenção no maldito caranguejo e quando Camila me perguntou se eu finalmente tinha o visto eu simplesmente tive que mentir e dizer que sim para então ela virou meu rosto novamente em direção a ela.

- Lo, seu rosto tá vermelho... Nem tá sol e você ainda se queima tão rápido ... - com suas mãos ainda em meu rosto amassavam minhas bochechas a minha boca acabava formando um biquinho ridículo o que só me fez ficar ainda mais desconfortável com a situação. Aquele toque, aquela proximidade entre nossos corpos e aquele sorriso dela, ela estava tão solta... Tão feliz...

- Não estou nada. - Falei tirando finalmente meus olhos dos seus e os desviei para a água lá em baixo. A vontade que eu tinha era beija-la mas não poderia simplesmente fazer isso, não quero desrespeitá-la, sabe?

- Oh está sim. Olha só esse beicinho, que coisa mais fofa - ela ria - uh, acho que essa vermelho não é do sol, não é? - Ela abaixou os olhos e soltou o meu rosto. Finalmente ela pareceu ter se dado conta do espaço quase inexistente entre nossos corpos e se afastou imediatamente, virando-se novamente para as árvores do mangue sem ficar o olhar em algo específico. - Desculpa, Lo, não quis te deixar constrangida.

- Camila, eu... - tarde demais, ela já havia voltado a ser aquela Camila calada e introspectiva. Não! - ei...

Ela olhou pra mim e eu coloquei a palma da minha mão esquerda na sua bochecha, a acariciando com o polegar e vi o momento exato em que o meu toque a fez fechar os olhos e inclinar suavemente o rosto em direção à minha mão

- Não precisa se retrair, ok? Eu só fiquei realmente surpresa e admirada contigo, Camz. Você é linda e é uma pessoa maravilhosa e pela primeira vez deixou um pouco de lado a vergonha... E foi tão lindo... Eu, digo, tu fica tão mais linda quando está a vontade e sorrindo assim, tão plena, eu... -  eu estava tão nervosa que as palavras só saiam da minha boca sem filtro, eu não conseguia processar o que estava acontecendo ali e muito menos articular direito as palavras. Suspirei em rendição, nesse instante ela abriu novamente os olhos e retomou nosso contato visual.

Verde e castanho.

- Você é linda, Camz. Tudo o que eu quero é te conhecer de todas as formas, - porra, aquilo poderia dar uma interpretação bem ambígua. Agora já foi. - meiga, sutil, feliz, entusiasmada... Sabe? Só quero que seja você mesma enquanto estiver comigo. - Sorri de lado esperando que ela me levasse a sério.

Ela apenas continuou olhando atentamente em minha direção para alguma coisa a baixo dos meus olhos e de forma quase imperceptível balançou a cabeça em gesto positivo.

- Eu vou tentar... Juro. - com uma expressão agora mais suave mas com o rosto não menos corado que há pouco, com seus lábios curvados levemente para cima. Foi aí então que eu percebi que ainda mantinha minha mão em seu rosto e percebi que deveria tirá-la de lá, mesmo que Camila ou muito menos eu parecêssemos nos importar em findar o gesto, para que continuássemos o passeio.

- Uh, bem, então... Vamos lá - sorri tornando a minha postura normal, com um sorriso no rosto, empolgação na voz e gestos aparentemente despreocupados. Nós guiei pela ponte até o próximo ponto de parada daquele tour.

- Okay Camz, próxima parada: Casa da Cultura!

[...]

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⏰ Última atualização: Apr 13, 2020 ⏰

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