O resgate

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Era tempo. As horas se arrastaram durante o dia e a noite até que todos estivessem enterrados no sono e a cidade, como uma senhora silenciosa, estivesse descansando de um terrível dia frenético. Era nessas horas que as coisas mais impressionantes aconteciam.

Mário recebeu Erick em sua casa quando os ponteiros dos relógios beiravam as 2 horas da manhã. Usava calça jeans e por baixo uma camisa do último congresso JUBEG. Abraçava uma maleta escondida no meio de um moletom azul que trouxera. Tinha muito dinheiro lá dentro. Duas luzes incandesceram na noite e se aproximaram dele até que pararam de se mover e apagaram. Sumiram em dois pequeninos pontos luminosos, engolidas pelos faróis agora desligados de um Gol vermelho. A silhueta escura de Erick estava na direção.

O próprio amigo havia sugerido que viesse no carro de seu falecido pai e ele tinha aquiescido, afinal sabia que aquele rapaz metido a aventureiro era viciado em carros e não perdia a oportunidade de dirigir um quando fosse necessário.

"Ah, Erick. Você não deve achar segura uma fuga alucinada num carro sendo conduzido por mim, não é?".

Depois ficou imaginando se não tinha sido mesquinho da sua parte deixá-lo usar o carro do falecido pai quando a ideia do resgate era toda sua.

"Mas foi ele quem insistiu. Eu só não interferi", justificou-se.

Sentiu em cabeça uma pontadinha de dor, o que fez com que enrugasse a testa. Mais uma daquelas que nunca pararam depois do acidente, embora seu médico nunca tivesse descoberto o que as causava. Não chegavam a atrapalhar tanto, só lhe incomodavam um pouco. De igual modo, as que a namorada e o amigo sentiam, também não deviam representar para eles um grande entrave, já nunca os vira reclamar. 

Olhou para o Gol vermelho.

"Esse é o carro onde quase morremos e cá estamos de novo brincando com a sorte".

Já chegou a dizer aos dois que tinham sido salvos por um milagre. Já o pai de Erick, que também estava no carro, não teve tanta sorte.

O resoluto jovem deu a volta e entrou pelo lado do passageiro. Vestiu o moletom e jogou a maleta no banco de trás. Daquela posição, seu parceiro de loucura parecia uma forma sombria, imersa na escuridão do interior do carro.

― Que maleta é essa? — perguntou ele.

― É parte do plano. Chegando lá, eu te explico.

O amigo o olhou, desconfiado. Parecia ainda não ter engolido a ideia de resgatar Camila com as próprias mãos.

― Cara, pra ser sincero, eu ainda acho que não deveríamos fazer isso. Mas ― deu um suspiro cansado com as mãos agarradas ao volante ― vamos lá.

Mário assentiu com a cabeça. Quando o carro se pôs em movimento, afundou suas mãos nas arestas estofadas do banco e retesou o corpo. Projetou o que aconteceria naquele galpão e, em conjunto com o nervosismo natural de estar no carro do acidente, aquilo lhe deu um frio na barriga. Acompanhou com os olhos o caminho até onde a luz dos faróis alcançava e, de repente, as lâmpadas dos postes se pareceram com olhos bestiais amarelos espreitando-os de longe. De repente, sentiu uma descarga de adrenalina.

― Cara, cê me convence de cada coisa... ― ouviu-o reclamar ― Um galpão abandonado, cheio de bandidos, sequestradores, traficantes e sei lá mais o quê é bem mais GTA na vida real do que eu estou acostumado. E olha que eu sou o aventureiro dessa nossa dupla.

― Vai dar tudo certo, Erick. Você vai ver. ― era nisso que queria acreditar.

― Sabe de uma coisa? Queria ter essa confiança que você tem.

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