Mundos que se tocam

O relato de Camilla

Naqueles últimos dias, a sua equipe técnica trabalhou como nunca para trazer ao menos um horizonte para aquele caso. A maleta encontrada no Gol Vermelho que estava estacionado no local do crime tinha cerca de dez mil reais. Rodrigo ligou para Sônia e descobriu que o filho tinha tirado aquele valor da própria poupança. A vereadora custou a acreditar que o filho tinha feito aquilo. 

Ele não estava conseguindo entender porquê o sequestrador do filho de uma família abastada como era os Gouveias tivesse ignorado a maleta com tanto dinheiro. Em um momento, chegou a considerar que os três jovens tivessem sumido por conta própria, sem que houvesse um sequestrador envolvido em seus desaparecimentos, mas a hipótese caiu por terra quando Caio, da balística, lhe trouxe os laudos técnicos de sua perícia. Segundo o que se conferia neles, a arma usada pelo delegado Souza foi adaptada para atirar uma espécie de dardos tranquilizantes. Naquela semana, entrou num grande túnel de confusão.

Rodrigo acompanhou o investigador Mariano nos interrogatórios aos agentes da AntiFurtos. Segundo contaram, ninguém tinha percebido nada diferente no comportamento do delegado até ele começar a faltar sucessivamente ao trabalho e ignorar as ligações que faziam para ele na mesma época em Bruno, um dos presos e também um dos sequestradores de Camilla, tinha fugido daquela delegacia.

A mulher dele contou que Souza tinha começado a ficar recluso no seu escritório, trabalhando horas a fio e, inclusive, ignorando os insistentes pedidos dela para que ele se alimentasse. Quando pediu para que os técnicos de informática investigassem o que tinha dentro dos computadores do escritório do delegado, soube de diversas pesquisas relacionadas à vida da vereadora Sônia e da família dela. 

Hoje, Souza estava morto e aqueles três jovens, desaparecidos. O delegado Rios não tinha dúvidas sobre haver uma cabeça pensante por trás daqueles sequestros que não fosse à do seu colega de profissão. "Uma cabeça pensante com um argumento poderoso o suficiente para convencer um ilibado delegado a participar de um sequestro", refletiu.

Da parte do IML,  recebeu uma ligação da doutora Chavelle a respeito do resultado das análises dos corpos que estavam lá.

— O que tem para me dizer? — tinha perguntado.

Chavelle contou-lhe que um dos sequestradores e todos os policiais militares  foram mortos na troca de tiros. Outro dos sequestradores teve o crânio rachado na região do nariz por causa de uma pancada e aquele que estava rasgado de dentro para fora, de fato, tinha sido morto daquela forma. O mesmo tinha acontecido com o delegado Souza. Enquanto a doutora lhe contava aquilo, Rodrigo coçava a cabeça.

Contou-lhe também que nas mãos do delegado e do sequestrador que tinha sido rasgado, um tal Bruno, haviam restos de uma substância extremamente rara chamada krávio.  Alguns dos elementos químicos ainda nem tinham sido classificados. "Quanta coisa bizarra num caso só", pensou.

— Me disse que é uma substância rara. Então existem registros de outras ocasiões em que ela foi catalogada?

— Apenas um. Sua última aparição foi num caso de desaparecimento de um dos executivos da multinacional farmacêutica Kraviam's Enterprises.—"Uma empresa na Florida? Qual o suposto interesse de um multinacional americana em três garotos de Goiás?", perguntava-se enquanto ouvia em silêncio — Aconteceu na Florida, em 1992, quando o FBI encontrou o laboratório do doutor Kraviam imundo com essa substância, até constatarem depois, que o próprio Kraviam tinha desaparecido. Parece que nunca chegaram a encontrá-lo, nem vivo, nem morto e o caso foi arquivado.

Rodrigo não quis pensar que o mesmo pudesse acontecer com os desaparecidos do caso em que trabalhava, mas foi inevitável. O Ministério Público já tinha lhe enviado uma nota pedindo esclarecimentos sobre o caso, a corregedoria já tinha começado a trabalhar motivada pelas denúncias de inveracidade nos laudos do inquérito e a imprensa já tinha começado a moldar a opinião pública para que ela fizesse pressão contra o DEIC em relação àquele caso.