O altar de Mesmia

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― É verdade aquilo que dizem sobre monstros que vivem nessa floresta? ― preguntou Decian. O Farejador parecia incomodado com aquelas histórias.

― É. ― respondeu o garoto Jacked. Decian por um instante respirou fundo ― E nós somos os monstros. Os Lordes Defuntos também estavam rondando por aqui, e ainda tem a zandana nenif. Já são monstros demais para completarem as histórias que contam por aí.

― Mas nós não somos monstros. ― agora o Farejador parecia desapontado.

― Para os humanos tudo que não se pareça com eles é um monstro. Não sei se já se olhou no reflexo do Galula quando está na forma garou. Se eu fosse humano, também te chamaria de monstro.

Jacked sorriu. Para ele tudo era engraçado. Na verdade, para um lobo cheirando a filhote como ele era normal que tudo parecesse engraçado. Ele ainda não tinha sentido o sangue escorrer pelas garras e nem o gosto de carne fresca no paladar.

Lakand achava aquele assunto entre Decian e o neófito muito irrelevante. O daërunmege nunca tinha parado pra pensar em quais tipos de monstros poderiam morar em Saramant e agora que lhe era trazido à tona o assunto, fez-se saber que era suficientemente corajoso para não temer qualquer que for a criatura bisonha que tanto fantasiavam. Um daërunmege maduro não deve temer a nada. Lakand achava que o resto do grupo também partilhava de seu desinteresse, até que Üley complementou o assunto:

― Charles me contava sobre essa floresta e dizia que por aqui também andavam os Moribundos, fantasmas de soldados de uma guerra que há muito tempo acabou. Além de também já terem sido visto Gornads por essas bandas. ― depois do Ancião, Charles era o que mais conhecia histórias na alcateia e, por ter sido tão próximo do falecido daërunmege, Üley conhecia praticamente todas elas. Eram muitas histórias. Kayla e Kanun até desconfiavam da veracidade de algumas. Charles cuidou de Üley quando ele ainda nem era iniciado de uma forma que Äya apelidou-o de Filho do Besteiro. E era normal para os pais contarem histórias para os "filhos".

― Isso não faz diferença alguma. Um daërunmege normalmente não tem o pavor que os humanos têm de seus próprios fantasmas. ― disse ainda, Kanun.

"Será que terei vou começar a ter medo das coisas quando me tornar humano?", perguntou-se Lakand em segredo.

Kenod e Kayla seguiam na frente conversando alguma coisa que não dava para se ouvir. Kanun, Jacked, Üley e Decian vinham num pelotão mais atrás, que era o que ele também acompanhava. Logo quando Nevëilla apontou por sobre os postes secos no horizonte alaranjado lançando sobre o mundo suas luzes prateadas, o acampamento já tinha sido desmontado e a alcateia dava início à sua marcha em direção à estátua de Mesmia em Saramant, que segundo o Ancião, abrigava também o altar da deusa da Natureza. Durante aquela viagem, Lakand não conseguia pensar em outra coisa a não ser encontrar-se com a Mãe para lhe pedir a humanidade. "Kayla, vamos ser felizes juntos. tenho certeza", sorria ao pensar.

Todos no grupo andavam na forma de önimo, cada um com sua parcela do acampamento que seria instalado logo mais à frente. Lakand caminhava desajeitadamente com um caldeirão de ferro amarrado às suas costas onde dentro haviam jogado duas camas dobráveis enquanto que Jacked carregava nada além três camas e os machados de Üley e Kanun atados à cintura. O neófito levaria também o martelo de guerra de Lakand, mas ele não o deixou ao menos tocar na arma. Além da carga que trazia consigo, ainda tinha de lutar contra as plantas rasteiras, as raízes semi enterradas, os galhos das árvores daquela mata fechada e o terreno acidentado do sopé do monte Azön.

― Quanto tempo será que ainda vai demorar pra chegarmos nesse tal altar? Minhas pernas já estão moídas e formigam. ― perguntou Lakand ao pé do ouvido do seu melhor amigo, Kanun.

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