Numa partida de xadrez

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― Recebi as cartas ― anunciou Genocydo depois de movimentar um peão. Uma pecinha entalhada em diamante que brilhava à luz do sol que escapava da janela.

Nolan levantou os olhos detrás dos óculos para olhar seu rei e entregou-lhe um falso sorriso. Por dentro, estava desapontado. Tinha qualquer esperança de que essas cartas não chegassem ao conhecimento do Rei. Tinha dado-as à Gan Orthov, o escudeiro de Genocydo, com uma mínima esperança de que ele as perdesse, de que se esquecesse de entregá-las ao Rei ou qualquer coisa parecida. No fundo não acreditava que isso viesse a acontecer, mas achou divertido alimentar esse suspense.

Em contraste ao seu, o sorriso do rei se abriu debaixo daquela barba castanha e cheia.

― As recebi de manhã. Não lhe disse que logo estaria entre os deuses, Juiz?

Disse. Era disso que sempre falava quando estavam juntos. Nolan olhou para suas fileiras de peças no tabuleiro de xadrez. Considerou por um tempo a prudência de mover a peça do cavalo por cima de um dos peões até decidir fazê-lo.

― Iria entregá-las pessoalmente ao senhor, Majestade. Mas entendia a relevância do conteúdo delas para o senhor. Então pedi para que Gan as entregasse em meu lugar.

― Chegou a lê-las? Chegou a lê-las, Juiz? ― Genocydo estava visivelmente empolgado.

― Li, Majestade. O senhor, de fato, estava certo. Eles estão aqui. Como os chama?

O Rei gargalhou.

― Terráqueos. ― disse.

― Isso, terráqueos. Eles chegaram. A luz alaranjada foi vista em Opium assim como disse que aconteceria. Que vossa Majestade seja agraciado com a apoteose o quanto antes.  — Nolan permitiu-se contagiar pela risada do Rei e riu também. 

Quando parou de rir, Genocydo apanhou o bispo com a mão de três dedos e olhou cuidadosamente as opções que tinha para movê-lo. Enquanto isso, Nolan reunia alguma coragem para tentar, pela primeira vez, dissuadi-lo de suas loucuras abertamente. Genocydo deslocou o bispo diagonalmente para a outra extremidade do tabuleiro e Nolan respondeu-lhe a jogada com um peão.

― Majestade, me pergunto. Por que um daërunmege?

― Fala de Charles?

― Sim. Se existe todo um esquema com seniors para garantir a captura dos terráqueos, qual o sentido de comprar os serviços de um daërunmege a preço de ouro?

Genocydo moveu um de seus peões e esperou a próxima jogada de Nolan antes de responder. Demorou mais que o normal nela. Como suspeitava, talvez Genocydo não tivesse recebido bem aqueles questionamentos. Isso porque ainda nem tinha mencionado que Koda lhe mostrara as adulterações que mascaravam o prejuízo nos relatórios financeiros da Coroa. Muitos já tinham sido queimados nas fogueiras de Gerikhad por levantar objeções menores que aquelas em relação aos projetos estranhos do Rei. Um calafrio subiu por sua espinha  e ele apertou nervosamente as mãos. 

Quando apanhou a rainha para movimentá-la, o Rei quebrou seu silêncio. 

― O daërunmege é forte. Acredito na capacidade dele. Devour de Saramant está longe e pode ser que os terráqueos desviem o caminho para fora do Reino. Então quis garantir que fossem recepcionados adequadamente.

Encorajado, Nolan continuou a questionar. Ele era o Conselheiro. Esses questionamentos faziam parte de suas obrigações e tinha prometido a Koda que os faria.

― Concordo quando diz que o daërunmege é forte e capaz. Lembro-me de ter dito que os terráqueos eram apenas garotos. Então, não há razões para manter o esquema dos seniors, vejo.

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