Quarto Capítulo: Renato é sufocado pelo sublime

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Quarta-feira, 2 de julho de 1975.

Uma chuva leve caía de forma inclinada e inconveniente sobre a banca de revistas no fim da tarde. Apressadamente, Leonardo cobria seus jornais do dia, no lado de fora, com um tipo de plástico. Alguns clientes tentavam lhe ajudar, ajeitando as coisas aqui e ali mas, ao final, acabavam apenas ficando mais molhados e impacientes.

Tinha previsão de chuva pra hoje? - perguntou um homem que passava por ali, observando a movimentação e procurando manchetes na Gazeta e outros periódicos.

Tinha sim, olha aqui - respondeu Leonardo, apontando para um dos jornais.

Massa de ar polar se afasta e área de instabilidade influencia o tempo, com possibilidade de pancadas de chuva para todo o dia e temperaturas em elevação.

Parecia a cada segundo mais desesperado com o estrago provocado pelas gotas cadentes. Por fim, desistiu e começou a jogar tudo para dentro da banca, com raiva, dispensando o homem e os voluntários que lhe prestavam auxílio.

Droga de chuva! - gritou, secando-se com o cachecol que enrolava em torno do pescoço, deixando transparecer as marcas que carregava em sua pele. - Ainda mando tudo isso aqui pro inferno! - resmungou secamente, falando sozinho, com as mãos na cintura, enquanto observava o monte de papel molhado.

Cuidado. Quem procura acha...

Hein? - exclamou Leonardo, surpreso, virando para trás.

Já chegou a edição de julho do Aracno-Kid? - perguntou Renato, que acabava de chegar. Parado em pé diante da entrada da banca, com um grande guarda-chuva preto sobre sua cabeça, um gorro cinza cobrindo os cabelos escuros, tinha o semblante pesado como o céu, que carregava-se de nuvens e escurecia a cada minuto.

Opa! E então, como vai essa força, Renato? - disse Leonardo, procurando cobrir seu pescoço novamente.

Tudo bem - Renato respondeu, friamente, com uma dor de cabeça forte.

Ah... Aracno-Kid, Aracno-Kid... Leonardo procurava o novo gibi numa prateleira abaixo das revistas de fofoca, próximo ao chão. - Aqui!

Renato fechou o guarda-chuva e procurou se colocar debaixo do teto, cuidando para não pisar em alguns jornais. Seu velho par de tênis vermelhos estava muito úmido; seus lábios pareciam tremer delicadamente.

Passeando? - perguntou o dono da banca, irônico, olhando para as barras molhadas das calças de Renato. Leonardo lhe entregou o gibi em mãos.

Aproveitando o clima ameno... - respondeu o jovem curitibano, enquanto sacudia o guarda-chuva para o lado de fora da banca.

O que mais alguém como eu poderia fazer?, questionou-se. Sou uma nulidade completa. Um vagabundo consumado. Sem estudo, sem emprego, sem namorada, sem futuro, sem rumo...

Renato havia passado o dia todo assistindo televisão no sofá e, em poucos minutos a mais fazendo a mesma coisa, teria se atirado pela janela - tamanho o tédio e a culpa por ser tão inútil nestes dias doidos de indecisão e discórdia interior. Agora folheava com atenção as páginas da edição de julho, cheirava os detalhes, cuidava para não molhar as pontas das folhas com os dedos úmidos.

Ficou melhor assim, não achou, piá? - questionou Leonardo, referindo-se a recente mudança de formato do gibi, que agora era menor e colorido.

Sim... Ficou muito melhor, sim. - Renato abriu a revistinha do Aracno-Kid exatamente no meio e o aproximou de seu nariz. - A mudança de editora fez bem - concluiu, sorrindo levemente, alegre com o achado.

Revirando o bolso, de costas para a rua, vasculhou em busca de algumas notas amassadas, como se fosse um ébrio caçando o último trocado. O guarda-chuva apoiado num canto ainda molhava o chão e Leonardo procurava empilhar os jornais noutro canto, mais afastado e seco.

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