Terceiro Capítulo: Um assassino à solta

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Terça-feira, 1 de julho de 1975.

Trimmmmm!

O telefone vibrava sonoramente no 507. Renato levantou, ainda de forma preguiçosa, sonolenta. Sentiu frio ao sair das cobertas que lhe envolviam. Atendeu sem pensar em nada.

Alô...

Oi, Renato!

Rafael?

Sim, sou eu. Beleza pura?

Era o irmão de Renato. Os dois não se viam há algum tempo, desde pouco depois que seu pai foi procurado pela polícia. Rafael sabia que Teodoro havia sido interrogado, mas tampouco sabia por quê. Também não tinha conhecimento de que seu pai estava em Quatro Barras, porque Renato achou melhor não contar a ninguém - muito embora até mesmo a PM já soubesse.

Olha, na verdade não... Não está tudo beleza, não - respondeu Renato, melancolicamente.

Ficaram mudos durante alguns segundos.

Algo a ver com o pai? - Rafael perguntou, ambíguo, sem compreender bem o que estava acontecendo.

Acho que sim. Tudo está confuso na minha cabeça.

Tudo o quê?

Sei lá. Tudo - concluiu Renato. - Seus remédios chegaram - completou.

Então... Será que você pode passar aqui em casa agora? Estou precisando - disse Rafael, pedindo de maneira quase ansiosa.

Cerca de uma hora depois, o jovem grafiteiro estava em uma das linhas de ônibus que levavam até o bairro de Santa Felicidade, onde Rafael residia com Cassandra. Renato herdara do pai o desconforto ao dirigir, sendo que o Fusca azul, que ainda pertencia à sua família, costumava ficar parado durante meses na garagem do prédio em que Renato morava. Por sorte, o Fusca era um carro de mecânica muito rudimentar e quase não exigia manutenção para continuar funcionando - o que era um alívio para a preguiça de pai e filho nos tratos da vida cotidiana.

Ao passar na rua Benvindo Valente, ao lado do Cemitério Municipal de São Francisco, Renato escondeu o rosto sob o capuz de sua blusa e abaixou a cabeça até os joelhos. Sempre ocorria desta forma. Uma palpitação ia subindo pelo seu corpo, o coração acelerava, o estômago dava mil voltas, um enjôo o corroía por dentro, a cabeça fervia. Eis sua tiptronita, a pedra que o enfraquecia como ao Ultra-Humano, agindo sutilmente. Renato sentiu vontade de descer na próxima parada, mas sabia que era pior. Não queria, de forma alguma, ficar a pé nesta quadra. Ali era distante demais de sua zona de conforto, e o medo era seu pior inimigo. Em algum canto frio e perdido de sua alma, um holograma de puro terror se materializava, transformando-se no espectro perturbador de uma prima morta. Miragens...

Passado o pânico habitual, algumas quadras mais a frente, finalmente levantou a cabeça e observou pela janela o caminho até a Rua Hugo Wolf.

E se ocorresse uma emergência? Um caso de vida ou morte? E se eu realmente precisasse descer antes, lá no cemitério?, pensou. Teria forças suficientes para enfrentar meus traumas infantis? Sim, totalmente infantis, eu sei disso. Infundados. Mas... Nem as sessões de terapia resolveram. Frederico não me ajudou em nada, só alimentou ainda mais meus monstros!

Rafael! - gritou Renato, em frente a casa de dois andares de sua mãe.

Aquele lar confortável ainda era sustentado, em grande parte, com o salário de Teodoro. A outra parte dos rendimentos de Cassandra chegava aos poucos, com os direitos autorais de seus livros - que não eram nenhuma fortuna, apesar do certo sucesso que ela fizera anos atrás. Muitas lembranças lhe passaram na mente neste momento, sobretudo da época em que Cassandra e Teodoro estavam separando-se. O irmão de Renato abriu para fora as venezianas da janela de seu quarto, no piso inferior. Seus braços musculosos estavam cada vez maiores.

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