Capítulo 14

268 32 1
                                    

Meus dias passam lentos e sem vida, apesar das constantes visitas de Vanessa e Vini, dos incentivos das enfermeiras, fisioterapeutas e psicólogas e das motivações de Alberto, me mantenho apática, consigo movimentar meus braços, o que parece ser uma grande vitória para todos, para mim e apenas um detalhe. Faço tudo que mandam mecanicamente e quando sou convidada a conversar ou dar minha opinião consigo apenas olhar e dizer "tanto faz.." porque a verdade é essa, nada me importa.
Hoje farei a primeira terapia de grupo, Vanessa e Julia, minha psicologa irão comigo. Minha enfermeira me arruma com mais detalhes e no final me coloca a frente do espelho. Quando me vejo, não me reconheço, estou magra e com olheiras profundas, nunca liguei para beleza, mas estou com uma péssima aparência, minhas pernas parecem que perderam toda massa muscular. Quase choro com a imagem daquela mulher fraca no espelho. Odeio me sentir fraca, me lembro das broncas do meu pai dizendo " no mundo dos desfavorecidos não temos tempo para fraqueza, cada obstáculo deve ser ultrapassado" sempre tive essa frase na minha cabeça e em minha vida, hoje pareço a fraca sentada no obstáculo. Minutos depois estou sentada no carro grande que Vanessa comprou para me levar aos lugares, nele não preciso sair da cadeira e alguém me carregar, me sinto melhor, tenho mais dignidade assim.
Chegando no local, sou cumprimentada por outros cadeirantes, o local e cheio de rampas e elevadores, consigo me movimentar sem ajuda, me sinto confortável, o local é aconchegante e diferente do que achei vejo vários cadeirantes rindo, conversando, até se beijando. Sou levada a uma grande sala onde temos espaço para cadeiras de rodas e sem rodas, todos sentamos em um grande círculo e tenho a sensação de ser a única triste e arrasada. Uma mulher de meia idade caminha até uma cadeira e se senta desajeitada e acho que tem dores no quadril. Ela se apresenta como Soraia, psicóloga e começa contando sua história, ela tinha 2 anos quando foi diagnosticada com uma doença degenerativa que cortava a circulação sanguínea da coluna para os membros inferiores, aos 15 anos ela amputou as 2 pernas, usa prótese desde então. Entendi porque o jeito estranho de sentar, depois disso ela pede que todos se apresentem, mesmo os antigos e que contém rapidamente um pouco sobre suas deficiência e o que tem realizado de positivo hoje em dia. Cada história e desafiadora, todas com um pouco de dificuldade, algumas me fizeram me sentir pequena e egoísta. Quando chegou minha vez só soube falar do acidente, eu não tenho feito nada de positivo, não tenho realizado nada. Me senti um lixo, todos os outros jogam basquete, casaram-se, uma está grávida, outra faz uma pós graduação, o outro voltou a falar com o irmão, e eu? Me lamentei dia após dia da minha incapacidade. Percebi nesse primeiro encontro que a minha pior incapacidade é de não fazer nada da vida que tenho, da vida que ganhei com uma segunda chance, voltei melhor para casa e passei a pedir que me levassem todos os dias, a cada dia eu via uma diferença sutil nas minhas ações, Vanessa se desdobrava para ficar sempre comigo, um dia percebendo seu cansaço sugerir que ela contratasse uma governanta/ secretaria para cuidar das minhas atividades, ela me olhou como se eu fosse um ET, demorou uns dias para convencer de que eu não me sentiria abandonada e que ligaria todos os dias. Enfim, fizemos algumas entrevistas e encontrei a garota ideal, ela não era bem garota, era mais velha que eu, mas tinha vigor e disposição.
Fazia compras, marcava médicos, fisioterapia, despachava repórteres.. ela é eficiente, logo começou a me entender.
Depois de 15 dias de trabalho voltando da terapia encontrei com a Vanessa, fomos jantar num restaurante a beira-mar, logo na chegada percebi as dificuldades que um cadeirante passa todos os dias, havia uma escada de 4 degraus, apenas 4. Foi preciso 2 garçons para levantar e descer a minha cadeira, fui o centro das atenções, com isso todos me reconheceram e o gerente nos colocou numa sala vip, foi bom ficar longe dos olhares de pena, mas fiquei longe da paisagem ao ar livre que tanto queria desfrutar.
Minha amiga fingiu não ter havido nada, apenas me informou que seria mais atenta da próxima. Eu não quis culpa-la ainda é difícil para mim também, mas estava feliz em estar ali com ela, sentada à mesa parecia que nada havia mudado entre nós. Nossa amizade sobreviveu a essa fase.
-Como você está, Tina?
-Depois de tudo, estou bem a terapia tem me feito bem.
-Minha mãe quer te convidar para um almoço lá em casa? Pode ser domingo? Te busco.
-Eu vou, mas quero ir sozinha, vê como me viro, pode ser?
-Só se você prometer que se tiver qualquer dificuldade me ligará.
-Combinado.
Passamos a noite falando do casamento da minha amiga, com meu egoísmo, esqueci que faltam 6 meses para o grande dia, pra mim está longe, pra ela, não, pela lista de coisas que ela apenas descreveu, tem milhões de coisas para fazer.
- Posso ajudar em algo? Pergunto por educação
-Estava esperando essa pergunta, afinal você é a minha madrinha principal. Tenho alguns lugares que quero que vá comigo. Prometo que cuidarei das escadas. - Ela diz sorrindo.
Depois de tudo que ela fez por mim, como dizer não?
-Tá, me manda os dias e horários, eu vou com certeza. Nem que contrate alguém para me carregar.
Nossa noite foi maravilhosa, desde que fiquei paralisada, não achei que teria uma noite tão boa, na verdade achei que a minha vida havia acabado.
Quando entro em casa, ligo logo para Van avisando que cheguei.
Tomo um banho e pela primeira vez em dias, acho que poderei ter uma vida, uma vida feliz, uma vida em paz. Mas a imagem de Ricardo entra nos meus pensamentos.

Luta de sensaçõesOnde as histórias ganham vida. Descobre agora