Capítulo 5 - Valores da Raiva

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Arco I: Rapina


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O interior da central da Anchieta System no Brasil era realmente um labirinto. Isso porque aquela não era só mais uma empresa naquele bairro, ela era praticamente todo o bairro. Tendo praticamente tomado controle e reconstruído o local mais nobre do Rio de Janeiro, o conglomerado agora era considerado um dos patrimônios do país. Até mesmo as filiais estrangeiras não se comparavam à tamanha evolução empresarial proporcionada pela perda de poder do governo anos atrás.

Seus muros monumentais eram o que separavam toda a classe alta dos mais necessitados, o que criava um contraste visível para quem olhasse de fora. Quando ainda morava com seus pais, Cassandra conseguia notar essa discrepância diariamente, afinal, eles nunca tiveram condições financeiras de sequer frequentar um lugar daqueles muito menos residir em tal, por isso a oportunidade da filha em trabalhar ali fora tão estimada pela família.

Mas ter que passar tanto tempo naquele bairro não deixava Cassandra nada feliz. Suas opiniões sobre os moradores e o estilo de vida daquelas pessoas ainda era o mesmo e agora, vendo-os constantemente, parecia surgir ainda mais motivos para desgostar deles.

O local em que se encontrava era o prédio central, o maior e mais movimentado dentre todos os outros. Isso porque nos primeiros andares funcionava um enorme shopping center, enquanto nos superiores haviam os famosos escritórios de segurança e atendimento da Anchieta System assim como suas salas de conveniência particulares.

Trabalhar como segurança ali não era tão difícil e Cassandra já estava habituada com o lugar, afinal, aquele prédio foi onde estudou após conseguir a bolsa para os cursos da Anchieta System. E também o local de sua peculiar prova de seleção, um evento que não saia de sua mente, nem na de muitos ali.

No horário de intervalo, Cassandra finalmente saiu de seu posto e foi em direção ao refeitório particular dos andares intermediários. Ela vestia o típico uniforme cinzento dos empregados internos, completamente padronizado e regulamentado pela empresa. Em seu peito esquerdo, o símbolo bordado da Anchieta System reluzia a cada passo. Aquele conjunto conseguia mudar completamente seu semblante adolescente para um quase militar. Apesar disso, sua vestimenta estava levemente amarrotada e os cabelos visivelmente mal alinhados, mas aquilo havia sido o melhor que ela conseguira fazer. No final, sua imagem antiga ainda podia ser observada por detrás de toda aquela "regulamentação"

Então, virando o corredor, a garota acabou esbarrando em alguém e quase deixou seu lanche cair no chão. Como sempre tentava ser educada, Cassandra virou-se de imediato e se desculpou, mas acabou recebendo de volta só um olhar de desprezo e um sorriso debochado do outro funcionário.

O homem saiu sem dizer nada e a testa de Cassandra crispou. Seu humor, que já não estava muito bom, só piorou presenciando aquilo. Ela respirou fundo, tentou manter a calma e continuou com passos firmes até sentar-se em uma mesa qualquer. O refeitório ali não era tão grande quando o do shopping abaixo, mas ainda assim cabia uma grande quantidade de funcionários e alunos. Naquele momento ele estava bem movimentado, mas não completamente cheio, o que fez com que Cassandra notasse alguns olhares, cochichos e risinhos sobre ela em uma das mesas próximas.

Ainda com cara de poucos amigos, ela revirou os olhos e manteve sua atenção na própria refeição. Não queria ter que olhar para eles com aquela raiva contida e dar ainda mais motivos para falarem sobre ela.

― Você viu... o teste dela... estranho demais. Não sei como a admitiram...

As frases vinham quebradas, mas Cassandra podia entender do que se tratava o assunto. Sem mover o olhar, a garota tentou pensar em outra coisa, se distrair. Não queria ouvir aqueles burburinhos às suas costas.

Vultress: A Salteadora de Fissuras [Arco I: Rapina]Where stories live. Discover now