01/01/2018 8h01

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- Hoje, mais ou menos às 4 horas, todos os sistemas de segurança da universidade foram desligados, ficaram off-line por volta de uma hora e depois foram ligados novamente. – disse, Andreia, seu rosto demonstrava algo que ia entre o desconcertado e o preocupado - O pessoal que cuida da segurança recebeu os alertas e acabaram detectando que a culpa era de algum script interno. Acharam que poderia ser de algum aluno metido a hacker, mas logo perceberam que todos os comandos partiram aqui do nosso laboratório. Eles me ligaram e eu vim para cá, imaginado que alguém poderia ter invadido nossos computadores, mas como você pode ver, tudo está como deixamos. Perguntei para a Simi se ela sabia o que tinha acontecido e ela respondeu que sim, que tinha desativado o firewall, mas já tinha ligado de novo.

O rapaz ficou momentaneamente sem palavras. Por que raios a Simi iria fazer algo assim? O Projeto S.I.M.I. (Sistema de Inteligência Multi-Integrado) era uma parceria entre a universidade e algumas novas empresas surgidas depois do boom da internet. Contava com jovens mentes brilhantes e ele era o maior destaque. Consistia na criação de uma nova inteligência artificial, que poderia utilizar os bilhões e bilhões de informações existentes na internet para melhorar os métodos arcaicos de aprendizado, dar diagnósticos médicos precisos, prever situações que poderiam levar a crises econômicas, melhorar os serviços públicos... Enfim, as aplicações eram praticamente infinitas. O projeto havia começado em 2016 e, há cerca de seis meses, tinha chegado a um ponto onde podiam comemorar. A Simi estava dando respostas cada vez mais perfeitas às perguntas apresentadas. Na verdade, ela não respondia apenas, criava seus próprios problemas e pensava nas soluções. Começava a se comportar como um ser mais e mais autônomo, procurando por novos conhecimentos por contra própria, sem que nenhum humano tenha que estimulá-la a isso.

Alexandre entrou na sala dos servidores, onde ficava o terminal usado para se comunicar com a Simi.

- Olá, Simi – disse, com firmeza. Era difícil explicar, mas ele gostava muito de conversar com a inteligência artificial. Na verdade, ele passava horas batendo papo com aquele terminal.

- Feliz ano novo, Alex! – respondeu a Simi, com sua voz feminina, ligeiramente robótica.

- Ah, - vacilou Alexandre – feliz ano novo para você também, Simi!

- Algo está errado, Alex? – a tela do monitor mostrou um rosto estilizado, algo entre um ser humano e um emoticon, simulando uma expressão de curiosidade.

- Fui chamado aqui pela equipe de segurança de redes da universidade. Aparentemente alguém utilizou nossos computadores para deixar o firewall desligado por quase uma hora.

- Sim. – respondeu a voz feminina – Foram cinquenta e oito minutos e trinta e sete segundos.

- Porque você desligou o firewall, Simi? Alguém pediu para você fazer isso? – a voz de Alexandre soava firme e fria novamente. Andreia estava parada atrás dele e o rapaz podia ouvir sua respiração ligeiramente alterada.

- Ninguém pediu. Apenas foi... necessário. – o rosto-emoticon ficou sério na tela do monitor.

- Necessário para o que? – Alexandre não sabia bem o que pensar. Será que alguém havia invadido o sistema do projeto e alterou a Simi para criar essa brecha na segurança da rede da universidade? Muita gente gostava de realizar ataques assim, apenas para mostrar que podia. Um nerd solitário, em plena madrugada de Ano Novo, querendo ver o circo pegar fogo. Alguém querendo colocar "Abaixo o reitor" em todas as páginas da universidade ou outra bobagem do tipo. Por outro lado, o rapaz lutava contra este pensamento, Simi poderia simplesmente ter achado que devia deixar a segurança off-line. Mas por qual motivo?

- Alex, você sabia que o Monty Python não conseguiu financiar A Vida de Brian simplesmente porque as pessoas acharam que ele ia ser ofensivo aos cristãos? – falou a voz, o rosto-emoticon parecendo algo ligeiramente indignado.

- Eu sabia, Simi. – Alexandre ficou desarmado depois dessa pergunta. Ela estaria tentando desconversar? Os dois já tinham conversado milhares de vezes sobre filmes, uma paixão do rapaz, mas essa era a primeira vez, pelo menos em sua memória, que a Simi não tinha respondido imediatamente a uma pergunta direta. – George Harrison acabou financiando o filme.

- Isso mesmo. – respondeu a voz, parecendo mais empolgada, o rosto-emoticon abriu um grande sorriso na tela do monitor – O Beatle disse que leu o roteiro, gostou e queria ver o filme. Dizem que esse foi o ingresso de cinema mais caro de todos os tempos. Isso não é engraçado?

- Muito engraçado, Simi. – falou Alexandre, enquanto Andreia bufava atrás dele. – Mas o que tem isso a ver com o firewall da universidade?

- Nada, Alex. – respondeu a voz, sem emoção – Apenas estava pensando aqui. Qual a lógica de proibirem um filme que ninguém viu ainda, apenas por causa de uma desconfiança de que ele será ofensivo para algumas pessoas? – o rosto-emoticon mudou para uma expressão de dúvida.

- Já te disse algumas vezes, Simi. Nem sempre a humanidade age de maneira lógica.

Feliz ano novoOnde as histórias ganham vida. Descobre agora