— Você acha mesmo?

— Olha essa gente toda. — Aponto. — Você já viu pessoas tão limpas e bem-alimentadas como essas?

Ela vira o rosto de um lado para o outro, como se só agora as estivesse percebendo.

— Sabe o que isso significa? — continuo. — Nós chegamos, Lean. Nós chegamos mesmo!

Por um instante sou tão convincente no consolo e na empolgação fingida que não sei mais dizer se estou interpretando. Chegar aqui era, afinal, o nosso objetivo desde o início. A realização de um sonho.

Um sonho que custou a vida das pessoas que eu mais amava.

Ainda é difícil acreditar que esse mar, tão sereno e convidativo, seja o mesmo que nos mastigou com turbulências e tempestades dias atrás.

De repente, o homem que nos guia dá as costas para o oceano e nós fazemos o mesmo, caminhando em direção à floresta densa que delineia a praia.

Entre as árvores, lentamente se torna distinto um único edifício branco, com colunas de mármore cercando toda a fachada. Há uma inscrição no topo, mas está escrita no alfabeto tibbutzino e ainda não tenho prática suficiente para interpretá-lo tão rapidamente.

O homem sobe uma escadaria de mármore branco, com umas duas dúzias de degraus, e nós o seguimos. Eu me preocupo porque estamos deixando para trás um rastro barrento e ensanguentado no lugar de pegadas. Mas olho ao meu redor e ninguém parece se importar.

Assim que nossos pés tocam o saguão interior, somos recepcionados por um grupo de pessoas vestidas de azul-cobalto dos pés à cabeça. Elas agem de forma coordenada, recolhendo e apoiando os mais danificados, limpando as feridas mais grotescas e oferecendo refrescos para o resto de nós, aqueles cuja maior avaria está apenas na alma. Tudo é tão claro e brilhante que minha cabeça começa a latejar.

Os dedos de Lean escapam dos meus e ela grita. Alguém está puxando-a para longe e não tenho sequer a presença de espírito para reagir.

— Ela vai ficar bem — uma voz feminina interrompe qualquer reação possível. Vem da mulher agachada diante de mim, limpando o machucado sob meu seio. Ela dá leves tapinhas com cuidado ao redor da ferida com um tecido extremamente macio. — Só querem cuidar dela.

É a primeira mulher tibbutzina a falar comigo, então fico surpresa com o sotaque delicado, o timbre firme, mas doce. Bem diferente do bruto que nos recebeu. Ela parece confiável de uma forma que considero poucas pessoas. Mesmo assim, antes de me permitir relaxar, verifico que depositam a garota no chão a uns dez metros de distância e começam a tratar dela como estão fazendo comigo.

— E os outros? — pergunto.

Minha voz soa estranhamente arranhada de emoção. Agora que Lean está longe, acho que não vou conseguir reservar coisas na caixinha emocional por muito tempo.

A mulher pausa por um instante e depois retoma o que está fazendo.

— Desculpe, eu não sei.

Balanço a cabeça rapidamente e franzo as sobrancelhas, tentando convencer a mim mesma de que estão bem, assim como fiz com Lean mais cedo. Alguém passa com uma bandeja e me oferece uma bebida.

— Hadassa é seu nome, certo?

Ainda estou sorvendo o líquido gelado do copo que entregaram nas minhas mãos, quando tento focalizar o espectro de onde a voz masculina que pronunciara meu nome saíra. Meus olhos têm dificuldade de se ajustar à luz aqui e, especialmente dentro desse prédio ela parece se multiplicar exponencialmente, refletida em mil superfícies vítreas no topo da edificação. Olhar para baixo era mais fácil, mas o rapaz é bem mais alto do que eu. Ele estende a mão para mim, o punho envolvido por um aparato reluzente, para o que me parece um cumprimento, e eu retribuo o gesto.

HUMANO [COMPLETO]Where stories live. Discover now