Pisco algumas vezes e volto a encarar a pré-adolescente que insistentemente tenta chamar minha atenção.

— O que é? — pergunto.

Ela acena com a cabeça para trás e só aí que vejo quão poucos de nós realmente somos. Numa rápida avaliação, conto menos de duas dúzias. É só isso mesmo?

— Onde está Luka?

Lágrimas escapam de seus olhos avermelhados. Elas escorrem por seu rosto deixando um trajeto turvo sobre as bochechas encardidas. Paraliso por um instante, enquanto tento formular uma explicação palatável para a menina. Mas nada vem. Onde estáLuka?

Ajusto o fardo de couro nas minhas costas e, puxando-a pelo braço, acelero o passo até o homem que estamos seguindo, o único nativo que interagiu com a gente até agora.

— Ei! — grito, enquanto praticamente corro até ele. Lean quase tropeça diversas vezes, mas ainda consegue me acompanhar. — Ei!

Lembro no fundo da minha mente que há alguns segundos eu mal conseguia andar de cansaço, mas, como costuma acontecer sempre que me foco num novo objetivo, meu corpo arranca forças de alguma reserva escondida.

O homem lentamente desacelera o passo e dá meia-volta, me encarando. Paro diante dele, coloco as mãos na cintura e, ofegante, digo:

— Onde... — Pontos escuros começam a se espalhar, do centro até as bordas do meu campo de visão.

Não ouse ficar inconsciente agora, Hadassa. Você chegou longe demais para isso. Não ouse!

Engulo em seco. Suor cai por cima dos meus olhos.

— Onde está o resto? — pergunto finalmente.

Ele olha desinteressado por cima do meu ombro.

— Isso é tudo — diz.

— Não, não. — Um líquido ácido sobe pela minha garganta. — Eu vi... vi outros na fronteira.

Não quero chorar diante dele. Não posso. Lean está aqui. Estas pessoas todas estão aqui. E mamãe sempre dizia: Diante de predadores, nunca demonstre fraqueza.

— Isso é tudo — ele confirma com uma expressão debochada e volta a andar. — Vamos, precisamos continuar. 

Fico parada por vários segundos, incapaz de reagir. Estou em pânico e preciso de toda a determinação restante em mim para empurrar mais esse sentimento para dentro da caixinha de emoções reservadas que não devo tocar agora.

Aperto a mão de Lean e reviro os olhos, ensaiando uma postura tranquila: 

— Certamente os outros ainda estão chegando.

— Mas como? — Lean insiste. — Você acha que eles vão abrir a fronteira novamente? O que fizeram com Luka?

Eu a aperto contra mim e o seu toque faz a ferida embaixo do meu seio arder, mas seguro o grito na traquéia e não a afasto.

— Você sabe que ele não gosta de ficar sem mim. Eu o ajudo — a menina balbucia, entre soluços. — Sou a neta que ele nunca teve.

— Quer saber o que eu acho?

Uma brisa do mar roça suavemente e balança alguns fios de suas mechas pesadas. Ela funga. Tomo isso como autorização para prosseguir e falo no jeito mais doce possível:

— Acho que se tudo que nos disseram a respeito de Tibbutz for verdade, eles estão agora mesmo em algum lugar tomando uma deliciosa infusão de ervas e esticando os músculos numa esteira como essas. Talvez eles tenham sido selecionados, por estarem mais cansados do que a gente, pra serem recebidos primeiro.

HUMANO [COMPLETO]Where stories live. Discover now