Dividida

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Obviamente, Caleb tivera que dormir, ou ao menos fingir dormir, no quarto de hóspedes. Meredith pensou em chamá-lo para ficar parte da noite em seu quarto, mas preferiu não fazê-lo. De certa forma, deitar no chão perto de sua cama — já que esta rangia como nunca, impossibilitando a discrição necessária — fora o jeito que encontrara de ficar com Ethan no passado. Para ela, trazer seu namorado atual e fazer algo que há pouco tempo fazia com seu ex seria, no mínimo, estranho. Mal sabia que Dallas estava repleta de armadilhas e gatilhos emocionais, tornando inevitável que seu antigo companheiro fosse trazido à tona de qualquer forma.
Foi por esse motivo que, constatando que seus pais já deviam estar desacordados, ela entrou de fininho no quarto onde Caleb ficara hospedado. Estava escuro e mal dava para distinguir a forma do corpo de seu namorado. Ele olhava pela janela, parecendo pensativo enquanto escaneava o enorme quintal da casa com o galinheiro, uma árvore com balanço de pneu e um jardim coberto por azaleias, orquídeas e cíclames, típicas do inverno natalino.
Tentando não fazer barulho, andou na ponta dos pés até ele e o abraçou de lado, encarando seus grandes olhos azuis que brilhavam ao olhá-la com carinho e admiração. Ele sempre a fazia sentir bonita e desejada, como se fosse tudo o que poderia pedir na vida.
Ela o encarava com a mesma intensidade, porém, nesta parca luz amarelada vinda do quintal unida à iluminação do luar, seus olhos normalmente castanhos pareciam mais esmeraldas. Era óbvio o quanto o menino a afetava. Podia sentir seu coração batendo mais rapidamente e as maçãs de seu rosto se esquentando.
Não precisaram trocar palavras. Mesmo que ambos soubessem que eventualmente precisariam conversar sobre Ethan, parecia haver um acordo tácito que aproveitariam esta noite juntos, para reconectar-se depois do tempo que passaram separados. Para a garota era especialmente necessário. Todos os sentimentos que percebera ainda nutrir por pelo antigo namorado eram diferentes do que sentia por Caleb. Com o primeiro, era um amor profundo, ainda que platônico e familiar, mas nada complicado. Já com o segundo, tudo era mais intenso, pois eles compartilhavam a mesma paixão pela música, seus sonhos se entrelaçavam e era como se sua paixão os consumisse.
Voltando sua mente para o momento presente, Mer inclinou-se para beijar os lábios alheios, que já se encaminhavam em sua direção. Foi quando suas bocas se encostaram que ela soube, não havia dúvidas. Estar com Kay era como encontrar um oásis em meio ao deserto. Ele preenchia seu coração de amor, dava o que ela precisava e ela retribuía com entusiasmo. Ficaram junto à janela por um longo tempo, até terem que parar para respirar. Ele já estava sem camisa a essa altura, expondo a tatuagem em seu braço com uma data estampada.
— Nunca te perguntei... Ao que se refere isso?
— Eloise... Ela nasceu nesse dia. Quando ela morreu, eu... Simplesmente queria fazer algo para me certificar de nunca esquecer o quanto ela foi e é importante para mim.
— Isso é lindo, Kay... Você é...
— Shhh. Não precisamos falar. Eu sinto e você sente. É algo tão intenso que eu nunca conseguiria descrever. Não sei mais como...
— Como...
— Como ficar sem você.
Com isso, eles não aguentaram mais manter a distância um do outro, que já era mínima, mas insatisfatória. Em poucos minutos, os lábios da menina já se encontravam vermelhos, inchados e esta estava ofegante. Beijaram-se uma última vez ternamente e ele deitou-a na cama com cuidado. Ao perceberem que, diferentemente da cama de Mer, a do quarto de hóspedes não produzia rangidos, sorriram e se enroscaram, fazendo amor, unindo-se até adormecerem. Em certo ponto, já não dava mais para distinguir onde um começava e o outro terminava.

***

Ao primeiro carcarejar do Galo ambos acordaram, porém, enquanto Caleb pulou da cama assustado, Maddy somente abriu os olhos e se espreguiçou, para então lançar lhe um olhar divertido. Isso de vida campestre era novo para ele, porém, para ela — que teve que lidar com o maldito Galo Alfredo durante toda a sua adolescência, quando dormir era mais precioso —, Alfie se tratava somente de seu velho despertador natural.
Despediram-se rapidamente quando ela se esgueirou de volta para o quarto, entrando e ficando mais calma ao fechar a porta. Expirou aliviada por não ter chamado atenção de ninguém da casa. Contudo, quando se virou para escolher uma roupa em seu armário, quase teve um ataque do coração. Sua mãe estava sentada em sua cama, olhando-a com uma expressão estoica.
— Acredito que nem preciso perguntar onde estava, mocinha.
— Ma-nhêee, que surpresa, quase morri de susto! — exclamou a filha, com a mão no peito que batia acelerado. — Bom dia, eu estava só...
— Nem tente filha, eu já tive sua idade lembra?
— Mas, mãe...
— Imagina se fosse seu pai ou seu irmão que te pegasse? Esqueceu que Jed tem uma espingarda?!
— O papai nunca...
— Seu pai caçaria sim o seu namorado para fora daqui atirando. No que você estava pensando?!
— É que eu...
— Mal o conhecemos, filha... Não ajuda em nada saber que, na primeira oportunidade que tiveram, quebraram uma regra que estipulamos, sendo indecentes debaixo do nosso teto! Não acredito que você pôde deixar isso acontecer.
Duas horas de sermão depois, Magnolia saiu do quarto de sua filha com a sensação de dever cumprido. Descendo para a sala de estar, viu que Caleb já se encontrava sentado no sofá, discutindo com Jedediah sobre os campeonatos de surfe da costa leste que haviam acabado de começar na televisão, em uma edição que, para a surpresa e admiração de Jed, o garoto havia participado ficando em segundo lugar.
Maggie podia ver o marido tentando segurar seu entusiasmo, entretanto, falhando miseravelmente em ser sério com o jovem. Sorrindo com a habilidade do rapaz de conquistar o sogro, se dirigiu para cozinha, terminando de preparar o café e pondo a mesa, enquanto ouvia e assobiava a música Payphone que era transmitida de seu pequeno rádio, encostado na janela acima da pia. Ao avistar sua filha descendo as escadas e se encaminhando para a sala, impediu-a.
— Filha... Venha aqui.
— Bom dia mãe. Deixe-me ir...
— Querida, eu sei que quer vê-lo, mas dê um tempo aos dois... Parece que estão se dando bem, não vamos interromper esse momento ainda.
Suspirando, porém feliz pelo pequeno avanço, Meredith concordou.
— Tem razão, mamãe. — Olhando desconfiada para Magnolia, a garota soube imediatamente o que fazer para apaziguar o coração de sua mãe após o choque de mais cedo. — Você quer que eu vá buscar os ovos para nosso café da manhã?
A mulher abriu um sorriso largo que mostrava seus dentes incrivelmente alinhados e brancos, um traço impressionante de família, considerando a quantidade enorme de café que consumiam.
— Faria isso, filhinha? — Mer assentiu. — Ia me ajudar muito sim, obrigada!
— Tudo bem... só vou vestir meu antigo macacão para não sujar minhas roupas novas e volto em uns cinco minutos.
Vinte minutos depois e após alguns ovos quebrados com a perda do hábito, Meredith voltou, orgulhosamente com 5 ovos caipira, para o casarão. Seu irmão, Ian, dormia até tarde na sua própria casa um pouco mais afastada da principal, mas ainda na propriedade dos Frasers, e era o único que ainda não se encontrava sentado à grande mesa integrada da cozinha à sala de estar. Assim que Maddy entrou no cômodo, todos se voltaram para ela com olhares engraçados; Caleb começou a rir, tentando disfarçar com uma tosse, entretanto, falhou nessa tarefa.
— Eu estou cheia de pena de galinha não estou? — perguntou envergonhada.
Os três assentiram simultaneamente, com sorrisos contidos. Ela entregou os ovos para a mãe e disse que subiria para retomar um banho. Ela subir o primeiro degrau foi o suficiente para que eles começassem a gargalhar descontroladamente. Revirando os olhos, a menina tornou-se para eles tentando fingir um olhar de ódio para seu namorado.
— É só falta de prática, ok?! — Isso foi a última coisa que disse a eles antes da chegada de Ian, que nem ao menos tentou conter suas risadas quanto ao estado da irmã.

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⏰ Last updated: Jan 27, 2018 ⏰

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