PAUSA

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Os sonhos dormem em névoa opaca de ontem enquanto Pedro conversa com o médico, externando sua mais dolorosa decisão. Do outro lado do corredor, antes de ser notado, Sal escuta e interfere feroz.

— Só porque você pode ser o pai, não quer dizer que possa deixá-la morrer!

— O senhor pode ser o pai da criança? — O médico fala, expressando entender o nome de Pedro na ficha da paciente.

O moreno pede licença ao doutor, levando Sal para mais longe.

— É o que ela quereria, seu egoísta de meia pataca! — Diz entredentes após confirmar que ninguém os ouve e que o negro sabe da relação deles ou do que tiveram. Ainda meio atordoado e pouco se importando com a estranheza de suas palavras. — Ela deixou claro que a criança tinha mais importância que qualquer coisa, que qualquer um. — Aproxima-se quase ameaçador. — Acha mesmo que ela gostaria de acordar neste mundo sem o filho e sem o Vinny? E com o Fernando em coma, entre a vida e a morte? Só restando a mim? Não, Sal, garanto que ela não gostaria disso.

— Dane-se! — Sal esbraveja, indignado. — Quem é você para decidir... Por que ela escolheria você para...

— Eu também não sei! — Interrompe-o, beirando o desespero. — Fato é que meu nome está naquele maldito papel assinado por ela. — Exausto, Pedro busca ar como pode. — Acha que gosto disso? Acha que me sinto bem tendo que decidir... — Seus músculos enrijecem, tremem com tanta tensão. — Já sofri torturas físicas de todos os tipos, as quais você nem pode imaginar. Controlei cada uma, tornando-me cada vez mais resistente. Já as emocionais e psicológicas nunca me afetaram, porque não tinham com o que me atingir, mas agora?! — Olha bem para Sal. — Amo três pessoas com todas as minhas forças. — Seus olhos lacrimejam, impotentes. — Perdi uma delas e as outras duas estão em infindáveis cirurgias, mais para lá do que para cá. Eu estou dilacerado e pela primeira vez sinto uma derrota tremendamente amarga. Uma da qual talvez nunca me refaça. E pela primeira vez também, tento fazer a coisa certa, tento não ser egoísta, porque o que mais desejo loucamente é que ela viva, mas não posso!

Então, Sal entende a escolha de Heloá, a razão do nome de Pedro no documento. Ele observa o touro raivoso à sua frente. Como ir contra tais argumentos? Pedro está certo e seu sofrimento é legítimo. O negro fica sem reação, petrificado diante da real possibilidade de perder mais um membro de sua amada família. Percebe que a última imagem que ficará com ele será a de dor e agonia da irmã, de seus gritos. Escuta Pedro urrar e socar a parede, abrindo um pequeno buraco. O curativo na mão dele passa a se tornar gradativamente rubro. Sal, dá-se conta de que pelo jeito, o amigo também terá sua carga de lembranças ruins. Consternado, ele chama uma enfermeira para cuidar da mão de Pedro. As duas estão enfaixadas por conta de sua loucura na rodovia ao tirar o corpo de Vinny do carro.

O bebê é retirado e segue direto à UTI neonatal enquanto a equipe do corpo médico procura estabilizar Heloá novamente, utilizando seus últimos recursos.

Após uma semana, os amigos podem ver a criança através do vidro da maternidade e admirar a nova vida. Sabrina sussurra para Bernardo que o recém-nascido é a cara do Vinny, ao que o namorado sorri com o desejo dela de que o amigo reviva de alguma forma. Todo mundo sabe que bebês são todos iguais, não tem como dizer se é a cara do pai ou da mãe, quanto mais a de um amigo. Ele a abraça com afeto, mas acaba se lembrando do episódio no corredor do hotel, e fica com uma pulga atrás da orelha.

Becka chega ensandecida para visitar Fernando e conhecer o bebê, se não estivesse tão cheia de bagagem, teria ido direto ao hospital. Ao entrar em casa, dá de cara com uma Flávia pálida e carrancuda. Coloca suas malas no quarto e se aproxima da namorada.

Dual_2Where stories live. Discover now