DELÍRIO

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O mais sábio dos homens não poderia explicar os milhares de sensações que percorrem seu corpo em deleite. Ela é como o néctar em sua versão mais pura e delicada, uma ambrosia de sabor inigualável. Aquele sorriso com um que de nostalgia. Há algo em seus lábios que o faz e sentir em casa. Seu corpo arqueado, pedindo por mais chega a ser enlouquecedor. A pele arrepiada de prazer apenas com o ar que sai dos pulmões dele. Ah, os gemidos dela... tão saborosos! Não é só estar no paraíso, é senti-lo.

As andorinhas invadem o céu de Presidente Prudente, anunciando o fim de mais um dia. Um fim bem distante para Vinny e Fernando que ainda realizam o balanço da loja e aguardam a chegada do último fornecedor. O moreno se aproxima do loiro, verificando a papelada.

― Vinny, ainda nessa página? Assim não sairemos nunca daqui!

― Você queria o quê? Não me apoiou para eu ficar dormindo e o Pedro vir, agora aguenta.

― E você ia falar com a Heloá? Bêbado você faz de tudo, agora sóbrio a história é outra, né? Vê se na próxima vez pensa mais antes de dar o primeiro gole. Deixar de ingerir os remédios para poder se embebedar não é a coisa certa a se fazer. O certo mesmo é não parar o tratamento por nada. Você devia parar de ouvir o Pedro e passar a escutá-lo. O cara já provou várias vezes que só quer nos ajudar.

Vinny se silencia, o amigo está coberto de razão e aquela era uma tarefa que ele não queria de jeito nenhum. Expulsar Heloá estava fora de cogitação. Mas como pensar e analisar tudo ali? Além do sono monstro, está sem a menor vontade. Apenas um cochilo quando Fernando foi ao almoxarifado e teve um sonho para lá de esquisito e delicioso. Ainda sente alguns resquícios do clímax daquela transa surreal percorrendo seu corpo, tão vívida! Qual seria a mulher sob ele? Era como se a conhecesse há tempos e ao mesmo tempo não. Ah, se pudesse voltar a dormir e terminar esse delírio... só esse.... Droga, no que estou pensando? Foi um sonho bom, sim, foi arrebatador, mas poderia ter sido um daqueles pesadelos medonhos também! Devia ter tomado os remédios. Com eles, nada de sonhos, nada de recaídas. Foi estupidez deixá-los de lado só para poder se divertir como antes. Se tivesse feito a coisa certa, não teria caído na besteira de encurralar Heloá e beijá-la daquela forma, não teria dito o que não devia, não sentiria tamanha falta dentro de si. Agora resta a ele, somente a ele, pensar nisso, já que ela nem se lembra de nada. Que tortura! Quando estiver sem nenhum resquício de álcool no sangue tomará os remédios, será a primeira coisa a fazer.

Olhando toda a papelada, ouve a sineta da porta e vê quando Duda entra no antiquário. A moça procura pelo namorado, diz ter passado no apartamento deles e ninguém atendeu. Ela e Pedro iam se encontrar. Vinny chama Fernando, os dois se entreolham, com certeza foi difícil mandar Heloá embora e o amigo deve ter dado uma sumida. Ambos dão uma desculpa qualquer e a negra vai embora, pedindo para que avisem Pedro. Assim que ela fecha a porta, Fernando pega o celular e liga.

― Nada, não atende mesmo.

― Ele sabe que estamos aqui.

― Sabe o que é isso? Um gelo em você. Não tinha nada de ter convidado a Heloá para ficar em casa.

Vinny dá de ombros e volta a mexer na papelada. O que Fernando falou é a mais pura verdade. Sobre o gelo e sobre ter sido um erro o que fez. Lembra-se de novo do que aconteceu no corredor do hotel e um calorzinho percorre sua espinha, inevitável. Engole em seco. Será que ao voltar a tomar os remédios ficará mais fácil? A memória falhará, deixando-o em paz? Porque rememorar a cada minuto o olhar, a pele, o sabor, a respiração densa, a voz e a sensação divina de estar com ela não rola! Assim enlouquece de vez. Olha rapidamente para Fernando, o ex dela, bem ali, amigo dele, hoje, um irmão, dividem a moradia. Foi uma estupidez! Uma enorme, gigantesca, monstruosa estupidez. Estava tão bêbado! Os dois estão certos, ela não pode de jeito nenhum ficar no mesmo apartamento que eles. Onde eu estava com a cabeça? Nela, só nela. O sangue ferve, o coração acelera e a raiva borbulha por todo seu corpo, sem pensar, amassa uma das folhas e joga longe. Levanta-se abruptamente e sai para a rua em disparada.

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