SEGURANÇA

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A mão senhoril solta a minha, caio da sacada e a mente voa livre, mais uma vez pela imensidão do breu desconhecido à margem de mim mesma.

Novamente minhas mãos estão sendo seguradas por outras, mais jovens. São as minhas as senis. Consigo perceber as manchas características, o tremor, parecem as de minha avó. Minha avó não era minha avó de verdade. Era negra, tão linda! Que saudade! Por que me abandonou, vovó?

― Você ficará bem, mi amore.

Ele é bonito, gentil e o amo tanto, porém mal entendo o que faço ali. Tento falar algo, em vão, estou muito fraca e os pássaros me chamam num canto sublime e terno, sinto-me acolhida, feliz.

― Nosso sonho continua. ― A voz muda, é de um homem mais maduro.

― Nada nos separará. Jamais esquecerei. ― Ah, suspiro ao ouvi-lo!

― Jéssica, nós estamos aqui e tudo dará certo, amiga. ― Ela não entende, sua ignorância é uma benção e mal sabe disso.

A luz é forte e me arranca num puxão, deixo os lamentos para trás. A história continua sem mim. Os ponteiros gritam, estou perdida. Os piares nos ares de uma galáxia qualquer estouram meus tímpanos. Tímpanos? Eu tenho? Corro sem rumo. Sem pernas, sem braços, sem boca, sem sexo, sem seios, me refaço, me recrio no espaço. Sou eu. Assumido. Vivendo um amor pleno. Me vejo no espelho. Faço a barba e sinto as mãos quentes dele me envolverem. A felicidade não tem limites, pois me carrega em seus braços fortes, me venera e o venero de volta. Nos reconhecemos assim que nos vimos e o sentimento falou muito mais alto que qualquer sociedade mesquinha, obtusa.

― Você é meu?

― Preciso repetir quantas vezes mesmo? ― Rio, divertindo-me com sua expressão engraçada. ― Sou todo, todinho seu, meu amor.

― Eu te amo. ― Acaricia minha face e me deixo levar, como resistir ao destino? Eu era dele por completo, sem questionamentos. E a recíproca era totalmente verdadeira.

Peças, peças para se encaixar. Procurar. Ativar. Tremo. Sentir. Tremo. Sei que estou tremendo. O mundo inteiro treme e me desequilibra. O peito arde em desespero. Como ele pôde? Como?

― Ache-o, traga-o para mim!

― Rosa, eu...

― Por favor, Luigi, eu lhe rogo, eu lhe imploro. ― Limpo uma lágrima que desliza por minha face. ― Edmond foi um tolo. Essa guerra não é nossa! ― Sugo todo o ar que me parece faltar nos pulmões, na alma. Se o perder, não sei o que será de mim, de nós. Sussurro quase sem forças. ― Traga-o para casa.

― Prometo que não volto sem ele.

E voltou mesmo.... Com ele morto.

Um grito agonizante rasga o que resta de mim.

― Richard!

Pedro corre ao pé da cama de Heloá e a apoia no braço, seu corpo frágil treme de novo enquanto ela parece despertar de um pesadelo.

― Tudo bem, está tudo bem, você está bem, Heloá.

O moreno alcança um pedaço de algodão, umedece na água e repousa sobre os lábios secos dela.

Heloá respira com dificuldade, a pouca água que lhe chega e desce pela garganta é muito bem-vinda, causa certo alívio imediato. Ela abraça Pedro como se fosse sua salvação e agradece. Com a cabeça no peito dele, escuta seus batimentos acelerados e a morena sorri, mesmo com a mente tão bagunçada. Essa sensação de estar segura com ele nunca a deixaria. Com a respiração voltando ao normal, a memória chega e lembra-se do ocorrido no hotel, seu corpo inteiro dói. Devagar, olha para Pedro.

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