Capítulo 3 - Isabel

129 8 0
                                    

Marcelo chega do clube, me dá um beijo na testa e sobe para o quarto. Percebo o olhar de Amanda seguindo-o pela escada. Eu a encaro e faço uma pergunta bem direta:

― Você se separou de João Victor?

Amanda me olha assustada. Levanta-se e morde os lábios, mas não consegue me dizer nada. Afasta-se e segue em direção a porta.

― A titia está em casa ou na fazenda? Quero vê-la.

Eu a seguro pelo braço num sobressalto.

― Eu fiz uma pergunta.

Ela olha pra minha mão segurando seu braço e depois me encara de um jeito que nunca vi. Eu vejo ira no seu olhar. Ou tristeza, não sei.

― Separamos.

Eu a abraço. Ela parece fria. Penso que vai chorar, mas isso não acontece. Sinto que ela não quer continuar a conversa e também não estou muito interessada nos problemas conjugais dela. Claro que não. Mas a separação dela me preocupa. Muito.

― Eu vou com você até a casa de mamãe.

Ela não recusa. Sabe que não adiantaria.

Eu seguro em sua mão. Ela abre um sorriso sem graça.

* * *

Aperto a campainha. Não há sinal de alguém dentro de casa. Aperto de novo. De novo. E de novo. Repetidas vezes.

― Para! ― diz Amanda segurando meu braço. ― Ela deve ter saído.

Tenho vontade de dar um tapa na cara de Amanda. Odeio quando me dizem o que fazer. Apertei mais duas vezes, deixando o dedo lá uns dez segundos.

Minha mãe aparece no portão ao lado. As mãos sujas de terra, o cabelo caído na testa.

― Tia Júlia!

Amanda sai sorridente em direção a ela e a abraça. Minha mãe me olha e franze a testa. Dou de ombros e passo por elas.

― Por que não contrata um jardineiro, mãe?

Paro diante de uma planta bonita que não sei o nome e fico observando. Há uma flor aberta e vários botões. Uma borboleta azul pousa sobre ela e fica abrindo e fechando as asas. Por um momento fico encantada com aquilo. Não entendo nada de flores, só conheço rosas e orquídeas. Minha mãe até que tentou passar essa paixão para mim, mas confesso que não rolou. A não ser por Marcelo não sei qual outra paixão eu tenho.

Sinto uma mão sobre meu ombro esquerdo. Conheço esse toque.

― Vamos entrar ― minha mãe diz. ― Fiz os biscoitos de nata que você gosta.

― Ah! Como eu adorava quando a senhora fazia aqueles biscoitos lá na fazenda! Os bolinhos de chuva também ― disse Amanda seguindo em direção à casa.

Eu olho pra ela. A voz parece da mesma menina de tempos atrás. Mas alguma coisa nela está diferente agora. Talvez é só o tamanho. Não. Não é só o tamanho. Quando ela veio para o velório de papai ela ainda era a mesma garotinha assustada da cidade grande, mas agora eu sinto que há algo novo, meio bizarro talvez. Bizarro não. Atrevido. Amanda nunca me enfrentava, nunca ousava dizer palavras que me contrariassem, e hoje...

― O que foi? ― indagou Amanda meio sem graça.

Eu não respondo e entro atrás delas. Vamos direto para a cozinha.

Mamãe nos serve suco e os famosos biscoitos de nata, os quais já nem gosto tanto, mas não ouso falar isso pra ela. Melhor deixá-la enganada. Às vezes é melhor não saber de certas coisas.

Como uns dois biscoitos e tomo metade de um copo de suco.

― Preciso ir ― digo afastando-me da mesa. ― Você vai dormir aqui, não vai, Amanda? ― Não foi bem uma pergunta que eu fiz, foi quase uma afirmação.

― Não ― responde Amanda secamente, mas não se atreve a me olhar. Continua comendo seu biscoito e rindo com minha mãe. Ela finge não ver meu olhar sobre ela.

Alguma coisa está diferente mesmo. Mas não vai continuar. De jeito nenhum.

― O que disse, Amanda? Não ouvi direito.

Ela passa um guardanapo na boca e depois me encara.

― Eu disse que não vou dormir aqui hoje. Até porque minhas coisas estão ali na sua casa. Mas pode ir e não se preocupe comigo. Eu não vou demorar.

Eu engulo em seco. Abro minha boca para dizer alguma coisa, mas respiro fundo, vou até minha mãe, beijo suas faces e saio. Ela não diz nada e continua a conversa com Amanda como se apenas um mosquito tivesse tocado seu rosto.

Ao passar pela sala vejo o chapéu do meu pai sobre o sofá. Paro e o tomo em minhas mãos. Trago junto ao meu peito e por um momento me sinto abraçada por ele. Quando as lágrimas começaram a brotar em meus olhos eu devolvo o chapéu ao mesmo lugar e saio.

Atravesso a rua pensando em Amanda. Por que ela está agindo daquele jeito? Será que está querendo me enfrentar? Ou quer mais que isso? Sei que ela sempre teve inveja de mim, de tudo o que tenho, de tudo o que conquistei, inclusive o marido...

* * *

Marcelo está sentado na varanda com uma taça de vinho na mão. Está de bermuda branca e uma camiseta de malha. Os pés descalços sobre uma cadeira que ele colocou à sua frente para descansar as pernas. Ele é tão lindo!

Ele sorri pra mim tão maliciosamente que posso sentir sua vibração no ar. Curvo-me até ele com a intenção de beijá-lo no rosto, mas ele se desvia e me beija nos lábios. Eu gosto. É tão espontâneo, tão delicado.

Eu pego a taça de vinho da mão dele e bebo um pouco. Ele alisa minhas pernas e posso ver um movimento em seu calção. Coloco a taça sobre uma mesinha ao lado e sento-me de frente pra ele.

― Amanda está estranha.

Ele ignora minhas palavras e fica me olhando com tanto desejo que eu me sinto culpada.

― Ouviu o que eu disse?

― Não quero falar sobre Amanda, meu amor.

Eu me levanto rapidamente.

― Vou tomar um banho.

Ouço quando a taça de vinho se espatifa no chão, mas não volto para ver o que tinha acontecido. Eu já sabia. Uma taça a menos no estoque.

Entro no banheiro e choro quando a água cai sobre mim. De saudade do meu pai e por outras coisas que não sei explicar.

Saio nua para o meu quarto com um frasco de creme na mão e começo a passar em meu corpo. Quero deitar e dormir, mas sei que Marcelo quer algo mais e eu não estou com a mínima vontade.

Ouço risos lá embaixo. Visto uma camisa do Marcelo por cima da calcinha e desço rapidamente.

Marcelo está sentado diante da TV e Amanda atrás dele mexendo em seus cabelos. Ela afasta as mãos imediatamente e continua a rir.

― Você precisa ver esse filme Isabel! É muito engraçado ― diz Marcelo com os olhos fixos na tela.

Eu não digo nada e vou até a cozinha. Abro a geladeira como uma criança abre procurando alguma coisa. Fico ali parada sem saber o que pegar ou o que procurar.

Fecho a geladeira novamente e volto até eles.

― Vamos sair pra jantar. Não estou a fim de fazer nada na cozinha.

― Se quiser eu posso preparar alguma coisa pra nós, prima.

Eu sempre odiei quando Amanda me falava de "prima". Eu tenho um nome. Mais uma vez tenho vontade de esfolar a cara dela. Acho que estou muito nervosa hoje. Acho que vou explodir. Mas por enquanto prefiro ignorá-la. Sua fala pra mim neste momento é como uma mosca que voa solitária ao redor das fezes de algum animal.

― Vamos nos trocar, Marcelo. Você vai assim mesmo Amanda ou quer tomar um banho primeiro?

Marcelo me olha encabulado. Desliga a TV e vem até mim. Enlaça-me pela cintura, beija meu pescoço e me leva para o quarto.

Mar de rosas e de espinhosWhere stories live. Discover now