📌Mobília Velha

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Era por volta das dez da manhã e o telefone tocou por umas cinco vezes até Matt levantar da cama e atender, estava muito cansado e tinha passado uma noite horrível com dores de cabeça, que, por sinal, eram frequentes.

— Alô? — Sua voz estava estranha até para ele mesmo, parecia que não pertencia ao próprio corpo. — Detetive Matt Lewis falando. — Silêncio na linha.

Matt desligou o telefone, coçou os olhos com as costas da mão e se viu olhando ao redor de seu apartamento. Não era pequeno, mas a quantidade de móveis que ele possuía fazia parecer um ovo. Um sofá surrado dos seus pais, uma mesa de centro de vidro, uma televisão quadrada de vinte polegadas, além de outras velharias que só de olhar davam tédio.

Já que estava acordado, decidiu fazer seu café da manhã, não tinha grandes planos para aquele dia (por sinal, fazia tempo que não planejava nada) além de assistir televisão ou ler no jornal matinal. Preparou dois ovos mexidos e duas fatias finas de bacon, teria que sobrar até sábado, ou ficaria sem mistura para os próximos dias.

Caminhou até à porta da frente do apartamento, pegou seu exemplar do jornal matinal, deu uma boa olhada na capa e viu a manchete principal Pacifismo vence Canne, Folha Ilustrada do estado de São Paulo, caderno 5. Dezenove de maio de 1997. Matt se sentou no sofá e continuou a ler o jornal, enquanto comia seus ovos mexidos.

Passou pausadamente cada página do jornal, gostava muito de ler apenas os títulos das matérias esperando alguma coisa diferente e foi o que aconteceu. Uma em especial lhe chamou a atenção "Garota Comete Suicídio". Matt ficou integrado não com o título, mas com o contexto da história, não era comum em São Paulo falar sobre suicídio abertamente, e embora aquela não fosse uma notícia que tivesse ganho destaque na composição do jornal, sua presença ali não fazia sentido.

Leu atenciosamente a matéria para tentar entender mais a fundo e viu o depoimento da mãe, que dizia, com toda certeza, que seria impossível sua filha ter cometido suicídio. Ela dizia ter ouvido os gritos da menina dizendo para parar, o som de baque no chão e só então, depois de alguns minutos, é que conseguiu entrar no quarto e achar o corpo pendurado em uma corda.

De alguma forma inexplicável, ele sentia uma forte ligação por aquele caso, talvez fosse a forma como ela morreu ou o depoimento da mãe, mas algo dentro dele lhe dizia que aquilo não acabaria por ali. Uma coisa que Matt sempre teve era uma intuição e ela nunca falhava.

Era um caso estranho, merecia uma investigação especial, e ele sabia disso, mas a polícia não iria querer se envolver em chamadas assim, os conhecia muito bem, pois, já tinha sido policial na flor da idade. Naquela época, era tão jovem e cheio de vida, queria resolver tudo que podia, mas os anos o fizeram abrir os olhos e perceber que ninguém liga para ninguém.

Agora, com seus trinta e quatro anos, não se sentia velho, mas era invadido constantemente por um cansaço, pois, havia passado anos vendo horrores e politicagens que fazia sua mente estremecer só de pensar. Agora esperava o telefone tocar com uma investigação avulsa para ele fazer e disso tirar um trocado para se sustentar. A grana da herança dos seus pais não iria durar muito tempo. Afinal de contas, pagar aluguel na Avenida Paulista, não era nada barato.

Matt se perguntava constantemente o que tinha feito de errado em sua vida, como chegara naquele ponto, como havia acabado sozinho, aos trinta e quatro anos, morando num aparamento alugado, vivendo de bicos investigativos e racionando comida. Ele até tinha amigos, mas os anos levou-lhe para longe. Se soubesse o que aconteceria no futuro, talvez tivesse mudado algumas coisas, mas sua mente sempre estava presa ao passado, ora por ser um homem arrependido de suas escolhas, ora por ter um tipo de poder que estava dormindo dentro dele, que ele fazia questão de manter adormecido o máximo possível

Todos Eles Podiam Ver (Completo) (SOB REVISÃO)Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora