📌Depressão

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Fazia uma semana que não ia para o trabalho e as dores de cabeça haviam se tornado mais intensas, todas as vezes que fechava os olhos via o garoto Arthur morrer, não conseguia tirar da mente aquela cena deplorável. Filipe havia concordado que o deixaria tirar um tempo para se recompor, mas não informou nada sobre o período.

Matt tinha deixado o telefone do apartamento desligado e o seu celular estava sem bateria. Naquela manhã ele estava deitado no sofá olhando para o teto, já tinha mapeado todas as rachaduras e estava recomeçando a contar os buraquinhos que poderiam formar constelações. Seus únicos pensamentos naquele momento era o porquê estava tão chocado com o que tinha visto, sempre lidou com pessoas mortas, assassinatos e mães chorando, mas aquele em especial havia lhe causado um estrago inseparável em sua alma.

Se lembrou da primeira vez que sentiu aquilo. Decorria seus primeiros dias de trabalho na polícia, e não estava acostumado com cenas de crimes, foi um choque muito grande ver sangue fresco no chão e pior, ainda constatar como e quem havia feito. Com o passar dos meses, estava tão habituado com toda aquela crueldade, que não se importava mais de passar horas e horas analisando cenários de assassinatos. Se sentia completamente ridículo, um homem de trinta e quatro anos chorar no sofá por uma morte que ele nem tinha envolvimento. Tentou sorrir da situação, mas aqueles olhos suplicando por ajuda eram mais fortes.

Ainda deitado, estendeu a mão até alcançar a mesa de centro e pegar um maço de cigarro e o fósforo. Precisava fumar, ou as dores piorariam. Seus poderes eram uma maldição, era assim que pensava, havia se tornado detetive porque achava que salvaria vidas ou até mesmo ajudaria pessoas, mas nunca imaginou que precisaria ver imagens tão horríveis.

Pensou em Filipe por um momento, o amigo tinha uma família agora, como lidava ele conseguiria lidar com aqueles sentimentos tão pesados? como poderia chegar em casa e abraçar sua esposa e filho, sabendo que um garoto tinha sido morto e que talvez outros estariam sendo vítimas daquele assassino? Mas como iria saber os sentimentos de Filipe se não tinha ninguém para quem voltar? não tinha nenhum parente próximo, nem mesmo mulher e amigos. Aquela depressão voltava para dentro de si, como uma mosca em cima de um doce. Tentava diversas vezes se livrar daqueles sentimentos, mas eles sempre apareciam sem serem convidados.

Tragou mais um cigarro, e percebeu que não tinha mais nenhum dentro da carteira. ficaria sem sua única fonte de alívio, mas não estava nem um pouco à vontade de se levantar do sofá para ir comprar outro, já não fazia mais ideia de quando fora a última vez que se tinha erguido. Sentiu o cheiro do próprio corpo, estava imundo e sujo, a barba estava ficando cada vez mais espessa e seus olhos doíam cada vez que ele piscava. Não tinha sono, nem fome, nem nada.

Duas batidas na porta lhe tiraram daquele transe quase psicótico, demorou alguns minutos para se levantar e atender.e Quando a abriu, viu que era sua vizinha ao lado.

— O que a senhora quer? — disse entediado e sonolento, mais parecia um zumbi.

— Oh meu Deus, Matt? — se assustou Glória, espantada com o que via. — Meu Deus, você está parecendo um cadáver.

— Se era isso que tinha para dizer, eu já sei. — já ia fechando a porta, quando a velha pôs o pé para o impedir.

— Não vou ficar nem mais um minuto sentindo esse cheiro de podre na minha casa. — resmungou, entrando dentro do apartamento. — Faz quantos dias que não toma banho? Que lugar imundo. Não me admira não ter mulheres vindo aqui, parece um chiqueiro e fede a comida estragada.

— Terminou de criticar minha casa? A porta está aberta. — apontou para a saída, mas estava tão zonzo que a fechou.

— Não irei embora, vou dar uma geral aqui enquanto você toma um banho. — ordenou a velha.

Matt até pensou em questionar, mas quando olhou em volta, viu que não teria muita escolha a não ser aceitar a ajuda. Caminhou em direção à varanda, pegou sua toalha do varal e seguiu para o banheiro. Tomou uma longa e demorada ducha quente, fez a barba, penteou os cabelos, passou um perfume e quando se analisou no espelho, se sentiu novo em folha, parecia que tinha lavado a alma. Quando voltou para a sala, ficou surpreso, parecia quase nova, e tinha cheiro de ervas.

— Minha nossa, quem é esse homem bonito?— debochou.

— Muito engraçada, dona Gloria. — deu uma meia risada.

— Fiz chá, sirva-se. — apontou para a mesa onde tinha um bule cheio, ela já estava tomando uma xícara.

— A que devo a sua visita tão inesperada? — perguntou, enquanto se servia do chá.

— Estava preocupada, fazia dias que não lhe via, estava sempre saindo no mesmo horário para o trabalho, eu supunha, mas aí parou de sair e nem na varanda ficava para fumar, confesso que isso não tenho falta. — gargalhou.

Matt sempre guardara os seus sentimentos para si, não gostava de compartilhar suas fraquezas e emoções, mas naquele momento não conseguia imaginar hora mais perfeita para tentar.

— Bem, confesso que estou deprimido com o trabalho, muitas coisas que não gostaria de ver. — disse, se sentando no sofá ao lado da Gloria.

— Faz parte, infelizmente nem tudo são flores e passar por coisas ruins para fazer coisas boas, lá na frente pode ser um presente. — sorriu de uma forma bem simpática.

— Não posso lhe dizer detalhes dos casos, mas temos alguém que precisamos deter, ou outras pessoas irão sofrer mais. — comentou, tomando um gole do chá.

— Se é para ajudar pessoas, então faça o que for preciso, seja forte e não desista, alguém sempre precisará de você.

— Obrigado pela gentileza, confesso que me sinto melhor por ouvir isso. Sabe, eu perdi minha mãe faz alguns anos e acabei ficando um pouco solitário.

— Você acha que não sei? eu preciso sair mais de casa, meus gatos fogem de mim, acho que estão cansados das minhas histórias do passado.

Matt sorriu, enquanto tomava mais um gole do chá. Era bom ter a companhia de uma outra pessoa, sentia que poderia confiar nela, ela havia perdido seus entes queridos e ele também. Talvez não precisasse ser tão duro consigo mesmo, e nem se preocupar tanto com o futuro.

Depois de uns trinta minutos, Glória voltou para seu apartamento, o deixando sozinho novamente, mas não estava mais com aqueles sentimentos negativos, uma melhora um pouco repentina havia lhe dado esperança, tinha que ser forte se quisesse vencer. Não deixaria que aqueles olhos de medo lhe contaminassem nem mais um minuto.

— Arthur, irei pegar o assassino que fez aquilo com você e vingar sua morte. — bradou em voz alta. — Isso é uma promessa. 

Notas do Autor:

Acho que qualquer pessoa na pele de Matt sentia o que ele está passando, não é fácil para ninguém esse trabalho.

Obrigado pela leitura, deixem seus votos e comentários, isso ajuda muito.

Att, Lucas Aquino 

Todos Eles Podiam Ver (Completo) (SOB REVISÃO)Hikayelerin yaşadığı yer. Şimdi keşfedin