#09 - Novas práticas

157 37 76
                                    


Em algum momento no primeiro ano na faculdade, alguém me disse que se deixar dominar pelo medo, é deixar de viver o completo potencial da vida. Não chegou a ser uma frase de enorme efeito em mim, levando em conta que nunca fui dado a medos, mas de alguma forma isso ficou gravado em minha mente, e por muitas vezes durante minha vida recordei tal frase, em momentos que algo chegava perto de me fazer temer. Naquelas férias de verão, enquanto as pessoas tentavam entender o que teria acontecido com Melissa e Guto, eu estava focado em não deixar transparecer qualquer evidência que eu conhecia o casal.

Foi mesmo um golpe de pouca sorte ter encontrado justamente os amigos de Frida, e eu não conseguia entender porque eles não mencionaram que estavam indo para a cidade, ou que conheciam minha noiva. É bem verdade que eu não cheguei a mencionar que era noivo da Frida, mas se tivesse tido qualquer sinal de que eles tinham a ínfima ligação com ela, eu teria mudado de ideia, antes de começar a fazer tudo aquilo. Não era um sentimento de arrependimento, até porque eles me proporcionaram momentos realmente bons, era mais um lamento por fazer Frida novamente estar preocupada com alguém próximo a ela. Eu já tinha jurado não fazer ela sofrer dessa forma, e tentava me convencer que ela não teria como saber o que eu tinha feito.

Eu tenho plena consciência que em muitos momentos de minha vida me coloquei em risco, e realmente cheguei perto do limite, mas na maioria das vezes eu sabia exatamente o que estava fazendo, mesmo nos momentos em que ia um pouco longe demais. Pensando nisso agora, nada que fiz nesses muitos anos, foi tão perigoso, e potencialmente destrutivo, quanto esse diário. A leitura dessas páginas, por quem quer que for pode levar a minha ruína, sei que de uma forma literal, minha mãe ficaria ao meu lado, ou pelo menos não me abandonaria, apesar de não concordar com meus atos. Mas quanto ao meu pai, não tenho nenhuma opinião completamente formada, e nem mesmo tenho certeza se ele seria capaz de passar por cima de suas convicções para me proteger, ou encobrir meus atos impugnáveis diante da conduta moral, e ética que têm.

Meus antepassados tinham esse costume de escrever sobre suas aventuras em busca da verdadeira essência de ser um Linderberg, mas era diferente para eles, que desde sempre se tornaram mestres de suas próprias vidas, e senhores de seus destinos. Não é assim comigo, embora sendo herdeiro de tudo que nossa família conseguiu construir, e possivelmente em breve casado com uma jovem com fortuna equiparada a nossa, eu ainda dependo do meu pai. E diante do mundo sou apenas mais um garoto rico, que consegue tudo que quer. No entanto até que tudo isso esteja sobre meu poder, eu terei que mesmo que aparentemente obedecer às regras absurdas de meu pai.

Por muitas vezes pensei em não continuar a escrever aqui, mas sempre cai sobre mim a consciência de que isso é parte de meu legado, e que esses cadernos logo estarão junto da outra centena de diários deixados por aqueles que vieram antes de mim. E quem sabe no futuro, outro garotinho perdido, sem saber o que realmente é nessa vida, desça ao mesmo porão, como fiz há anos atrás, e encontre esse tesouro, e nas páginas desses cadernos descubra seu verdadeiro eu, e se disponha a dar prosseguimento ao seu legado de família. Tenho sinceras esperanças de que sejam o filho que Frida me dará em breve, pois mais fortemente meu sangue correrá em suas veias, e deve então ter meus melhores traços.

Frida insistiu muito que hospedassemos as famílias de Melissa e Guto, não era de meu agrado, mas meus pais aceitaram a ideia sem pensar muito. Ela e sua mãe, agora moravam conosco, pois a Tia não achava confortável viver sozinha em sua casa, enquanto a filha estava na universidade. A casa sempre foi enorme, e acomodaria um exército se fosse preciso. Então diante do pedido de minha noiva, não houve qualquer relutância dos verdadeiros donos da casa. No entanto as semanas foram passando, e apesar das pequenas pistas que a polícia encontrou na estrada, alguns testemunhos de pessoas que alegavam ter visto o carro deles na estrada há alguns quilômetros da entrada principal para a cidade. A verdade é que nada indicava que eles tinham sequer passado por perto de São João do Maraca, e diante do esfriamento das investigações, as famílias acabaram decidindo voltar ao Espírito Santo.

Histórias do Chalé - Relatos de Um Sádico [Completa]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora