— Ficaremos, Nando.

Fernando sorri ao ver o loiro mal virar a cabeça para olhá-lo, mas é um bom sinal, certo? Está vivo, consciente. As lágrimas se intensificam ao mesmo tempo em que certo ânimo lhe invade. Escuta mais vozes de comando, com certeza são bombeiros, policiais, paramédicos... Sente um puxão e urra de dor.

— Calma, amigão, estamos aqui para ajudar. — Uma voz acolhedora se faz presente.

Sons de ferros sendo cortados, vidros quebrados. Colocam um protetor no pescoço dele, estabilizando a coluna, quando o moreno avisa que escutou um estalo no corpo. Alguém passa a mão pelo tronco dele, encaixando algo firme e frio para sua retirada.

— Desculpa, Nando, desculpa... Cuida do nosso filho, da Heloá e do Pedro, por favor.

— Fi-ca acordado, Vinny! Você cui-dará de nós. — Mais um puxão. Mais um grito de profunda dor. Várias mãos estão em cima dele, tratando, puxando. Fernando segura a de Vinny, travando o gesto com toda sua força.

— Ei, amigão, qual seu nome? — Uma voz desconhecida quer saber

— Fe...Fer-nan-do.

— Ok, Fernando, vamos fazer isso com cuidado. — A voz é calma e clara. — Solta a mão dele e assim poderemos continuar tratando de você e depois do seu amigo, tudo bem?

— Não... Ti-ra e-le pri-mei-ro...

Silêncio, sussurros do lado de fora.

— Fernando, conversei com o pessoal aqui e só temos como tirar seu amigo depois que tirarmos você.

Vinny escuta e sabe que é mentira, a verdade é que Fernando tem mais chances de sobreviver. O loiro junta todas suas forças e abre os olhos.

— Estão certos, Nando — é estranho como consegue falar melhor, deve ser um dos sintomas da morte —, você precisa sair para que possam me tirar, está no caminho, cara. — Sorri torto. — Vai que logo vou atrás.

O loiro tenta soltar a mão de Fernando, que incrivelmente a segura firme. Diante de tanta vontade do moreno, Vinny chora ao vê-lo sendo praticamente arrancado do veículo destruído. Olha para baixo e não vê suas pernas, engolidas pela fuselagem. Soluça e verte sangue pela boca, em golfadas. Desesperado, procura seu celular. Com enorme esforço, alcança-o no bolso da calça, sentindo nos dedos partes dos ferros enfiados em seu corpo. Procura se controlar. Respira fundo e mais sangue verte. Trêmulo, com as pontas dos dedos escorregadias, inicia chamada para Pedro. Com a impossibilidade de levar ao parelho até o ouvido, aciona o viva voz. Chama e nada, o mais velho não atende. Os homens do resgate demoram a aparecer de novo. Presume que devem estar cuidando de Fernando e das outras prováveis vítimas do veículo que se chocara com o deles. Reza para que não sejam muitas, no máximo o motorista, e que esteja bem. Quando o loiro dá conta, estão em cima do que resta do automóvel, com ferramentas pesadas, como se fossem abridores de lata gigantes. Vinny ri em meio ao choro e ao sangue que não cessa. Após algumas tentativas, decide deixar um recado na caixa postal, até que o celular desliza e cai de sua mão, a qual ele não possui mais comando algum.

O celular de Bernardo toca e é Sabrina. Ele, na loucura instalada por um parto prematuro e de risco bem ali na sua frente, fica desnorteado e não quer preocupar a namorada. Afasta-se para atender, quando percebe a ambulância estacionando, abre a porta e indica o local.

— Oi, amor, está chegando?

— Ai, nada, está tudo parado aqui, acho que teve algum acidente na rodovia, nem estou perto da cidade ainda, não tanto quanto gostaria.

— Ah, que coisa — talvez seja melhor assim, pensa, querendo poupar a namorada —, mas tudo bem, fica tranquila, aqui está tudo bem.

— Que bom, mas aqui não. — Sabrina fala irritada, saindo do carro. — Já me atrasei por conta daquele pedido de última hora e agora isso... — Balança a cabeça, repreendendo-se. — Que absurdo estou dizendo! Espero que não seja nada grave. Tem muita sirene aqui e cada vez chega mais, boa parte dos veículos foi para o acostamento para dar passagem.

Dual_2Onde as histórias ganham vida. Descobre agora