Capítulo 2

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Imediatamente Nimbus abriu um sorriso, agora ele havia recordado o ocorrido. Cerca de dois anos atrás Nimbus havia acabado uma sessão de histórias com um velho marinheiro que frequentava a taverna na entrada do Juramento. Depois dessas histórias inspiradoras, Nimbus passou a admirar esses cavaleiros corajosos e tentou espelhar suas atitudes e crenças de justiça. E nesse dia ele estava particularmente empolgado, os contos eram sobre atos heroicos de cavaleiros salvando os fracos e oprimidos, foi então que ele viu dois garotos aproximadamente da sua idade, mas muito maiores do que ele, ameaçando outro garoto um pouco mais novo, esse garoto era Aska, estava ali na sua frente um fraco e oprimido esperando ser salvo por um grande cavaleiro, ou quase isso, segundo sua ótica.

— Aí! O teu pai não quis me vender fiado. Meu pai ia pagar ele depois, só não tinha dinheiro. Agora eu vou apanhar por causa de vocês — falou um dos garotos, que pressionava Aska contra a parede.

— Vai lá, Roger bate nesse muleque, ele é metido só porque é filho do açougueiro — se pronunciou outro menino um pouco mais baixo e rechonchudo.

— É... Se eu vou apanhar, tu também vai. — Ele empurrou Aska com mais força contra a parede o fazendo chorar. — Tu vai servir de recado pro teu pai não ser pão duro.

— Eu não fiz nada, não me bate, eu quero o meu pai — Aska falou, chorando ainda mais.

— Olha só, tá chamando o papai né. Tu vai servir de recado pro teu pai tratar a gente melhor — disse outro garoto maior, apontando o dedo na cara do menino.

— Bate nele Roger, vamos deixar marca na cara dele, pra sempre que o pai dele o ver, se lembrar de não se meter com a nossa família — falou o terceiro menino.

— Tu tem toda a razão Truli, vamos deixar a cara dele marcada pra todos saberem que não se contraria os Culem — falou o garoto maior. Aska chorou mais alto dessa vez. As pessoas que passavam na rua pareciam não se importar muito com a discussão das quatro crianças.

Nimbus vendo toda a discussão e ninguém se importando com aquilo resolveu fazer como um cavaleiro, defender os fracos e oprimidos, ele nunca esteve tão enganado na sua vida.

— Deixem o garoto em paz — Nimbus falou com convicção. Nem ele sabia como tinha superado a timidez para fazer isso, mas estava fazendo.

— Não se mete muleque, não é assunto teu — falou Truli, enquanto Roger continuava encarando Aska.

— Eu disse pra deixar ele em paz — repetiu Nimbus, com a voz mais melodiosa que conseguiu, exatamente como os cavaleiros nas histórias, e largou seus livros como eles largavam as suas capas esvoaçantes antes dos seus duelos.

— O que tu vai fazer? Vai correr contar pra mamãe que tão batendo no teu amiguinho? — Truli falou novamente, dessa vez fechando os punhos para Nimbus.

— Não fala da minha mãe — Nimbus saiu correndo e saltou em cima do garoto. O encontrão o levou ao chão e em segundos Nimbus estava montado em cima dele o socando, os outros meninos apenas ficaram observando perplexos, a atitude inesperada e, diga-se de passagem, nada parecida com a investida de um charmoso cavaleiro das histórias.

De repente ele sentiu ser agarrado pelo pescoço e puxado até sair de cima do inimigo. Truli conseguiu se levantar e com sangue escorrendo do canto da boca falou, enquanto seu irmão Roger segurava Nimbus que balançava os pés sem tocar no chão.

— Tu vai se arrepender disso, muleque — Truli correu em direção a Nimbus e o socou na barriga, de novo e outra vez e outra. Roger o empurrou e ele caiu, quando se encolheu no chão pela dor no estômago, começou a sentir vários golpes por todo o corpo, eram os três garotos o chutando enquanto ele estava caído. Eles bateram por alguns minutos até que repentinamente pararam e saíram correndo.

— Parem, vão matar o meu menino! — gritou uma senhora na rua, era a Dona Zeliudes que, como sempre, estava preocupada porque Nimbus estava demorando para chegar em casa após a escola e estava à sua procura.

Quando a idosa e cambaleante Dona Zeliudes se aproximou, apoiada na sua bengala, o garoto estava cheio de hematomas pelo corpo, o olho inchado, a parte interna da boca em carne viva e sangrando muito.

— Ai meu deus, porque eles estavam batendo em você meu filho? Coitadinho tá todo machucado — Dona Zeliudes se ajoelhou ao seu lado e o abraçou, depois começou a tatear todo o seu corpo.

— Eles iam bater num garoto inocente, mamãe — Nimbus falou com muita dificuldade, por sorte não havia perdido nenhum dente.

— Mas porque você foi defendê-lo meu filho! Eles poderiam ter te matado se eu não tivesse chegado, o que eu te falei várias vezes? Você não deve se meter com esse tipo de gente. — Sua mãe de criação tinha um tom piedoso na voz.

— Eu fiz isso porque é isso que os cavaleiros fazem, e um dia eu vou ser um cavaleiro — o garoto, fantasiosamente, falou com dificuldade e sangue escorrendo pela boca. Aska o observava com os olhos arregalados ali ao lado.

Depois desse ocorrido e de tantas histórias contadas pelo velho marinheiro, Nimbus começou a falar a todos sobre sua intenção de se tornar Sãr Nimbus, o caçador de monstros, isso durou até o dia em que ele teve os seus sonhos cruelmente destruídos, por um velho bêbado nas ruelas do Juramento.

— Garoto você é muito burro mesmo. Para alguém se tornar cavaleiro tem que ser do governo ou do partido político do Grande Líder, nunca iriam pegar um favelado como você para ser um escudeiro, cai na real. Além disso, assim que aprendem a andar os filhos dos figurões do governo já aprendem a pegar em uma espada e são treinados para ser escudeiros. E dessa idade você já passou e muito. — O velho saiu rindo alto e cambaleando, sem notar que deixou um Nimbus com lágrimas nos olhos, atrás de si.

Essa verdade machucou o seu coração, ele ficou muito frustrado, mas sabia que tinha verdade nas palavras do bêbado, lá no fundo da sua alma ele sabia que tudo não passava de uma fantasia, ser cavaleiro era algo muito distante da sua realidade e desde então nunca mais tocou no assunto, entretanto até aquele momento ele era lembrado por esses delírios, que o faziam ser alvo de muita gozação na escola, mas não tanto quanto o caso da Anabele que o havia transformado em motivo de risadas sempre que os viam juntos.

Agora Nimbus já era quase homem feito e alimentava o desejo de viajar. Estava certo do que fazer, se candidataria para ser um tripulante de nave e viajaria pelo éter. Com certeza não poderia ser um cavaleiro, mas pelo menos poderia conhecer esses heróis pessoalmente. Ele sabia que era uma profissão perigosa, que sofreria muito, que ganharia muitas cicatrizes, talvez até perderia partes do seu corpo, mas como o velho marinheiro contador de histórias, ele queria ter essa experiência, viajar para todos os cantos do mundo e, principalmente, ter aquele mesmo brilho no olho, que o velho tinha quando fosse contar as suas próprias histórias para quem quisesse ouvir, quando fosse desfrutar da sua velhice nas tavernas da vida.

Aska ter se lembrado de uma história que havia acontecido anos atrás, fez Nimbus abrir um grande sorriso e lembrar como era bom sonhar.

— Não esquenta, eu sei que se você estivesse no meu lugar faria a mesma coisa – falou enquanto começava a enrubescer.

— Não mesmo, tem que ter muita coragem para enfrentar uns valentões que estão batendo em um desconhecido.

Nimbus ficou ainda mais vermelho.

— E também tem que ser muito tolo para fazer isso. — Aska riu muito, e Nimbus ficou desapontado.

Finalmente estava revelada a intenção do menino, e ele havia novamente sido vítima do escárnio como na escola, no entanto o que mais o deixava indignado era que Aska era mais jovem, o que indicava que ele seria lembrado por muito tempo como o idiota favelado que queria ser cavaleiro. Até quando as crianças da sua escola iriam se lembrar disso? Anos? Quantas crianças futuramente iriam conhecer a sua história e rir dele? Por isso ele tinha tomado aquela decisão, iria embora de Aldair o quanto antes, iria para o mais longe possível, iria escapar de todos esses problemas, iria surfar no éter.

Nimbus se virou e foi embora silenciosamente, todavia ele não chegou a ouvir Aska terminar seu discurso, e havia perdido algo muito importante.

— A verdade é que tem que ser muito tolo para se tornar um cavaleiro — Aska falou baixinho como se para si mesmo, admirando o único herói que havia conhecido naquela favela esquecida por deus, depois ele voltou a apreciar a comitiva que estava finalizando seu fúnebre desfile.

* * *

Nimbus e os Cavaleiros de CenferumWhere stories live. Discover now