Capítulo 4

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A luz do sol entrava pelas frestas da cortina naquele domingo, fazendo Antonella acordar antes mesmo do despertador apitar às seis e meia. Era o dia mais esperado por ela: ensaio com o grupo. Tomou banho, arrumou as coisas e saiu antes das meninas acordarem, como de costume. Caminhou até a estação de metrô e observou os cartazes com um sorriso orgulhoso. Havia dado um passo gigantesco essa semana, por isso estava otimista e nada tiraria esse sorriso de seu rosto.

Chegou à casa de artes do Rio de Janeiro, CARIO, onde se reunia com os colegas para ensaiar.

- Que alegria é essa, Antonella? - quis saber Frederico, o diretor da Cario e organizador do projeto o qual ela fazia parte - Seu sorriso está tão largo que os cantos da boca quase se encontram na nuca - disse ele gargalhando.

- Estou feliz com a vida, Fred! A roda gigante começou a subir - respondeu ela.

- Cuidado - disse Rúbia chegando por trás de Antonella - a tendência depois é descer de novo.

Rúbia é uma integrante do grupo. Existem boatos de que ela mantém um caso secreto com Fred, mas ninguém nunca conseguiu comprovar. Ele é um homem no auge dos seus cinquenta anos, muito bem casado. Ela, por sua vez, uma linda mulher de cerca de trinta anos que insiste em provocar Antonella sempre que pode. Essa rivalidade se dá uma vez que existe um favoritismo da parte de Fred para com Antonella. Com uma carreira de mais de trinta anos, ele reconhece um talento nato quando vê um e enxergava um grande potencial em Antonella. Isso gera um certo ciúme em Rúbia que ela contorna com seu charme e sensualidade para com o professor que cede aos caprichos da aluna.

- Não se preocupe Rúbia, se a roda continuar girando, você não vai me ver por muito tempo - respondeu Antonella sem se virar para a colega.

A manhã corria bem, apesar dos olhares repulsivos das duas até que uma visita inesperada interrompe o treino.

- Grande Anderson! - Bradou Fred ao ver o amigo na porta - Me dê cá um abraço! A que devo a honra da sua visita?

- A honra é minha grande Frederico Gustamant! - disse Anderson abraçando o amigo de longa data.

Anderson entrou distraído e não percebeu que coincidentemente entrara na sede do grupo de Antonella. Fred apresentou Anderson ao grupo que estava todo de frente. Antonella estava no fundo da sala de forma que Anderson não podia vê-la.

- Bom dia a todos - começou - meu nome é Anderson Bizzocchi, sou integrante da Cia barbixas de humor. Nós estamos em cartaz hoje no Rio e eu aproveitei para vir visitar o meu grande amigo Fred. Pra quem não sabe, ele foi um dos grande incentivadores da comédia de improviso no Brasil e foi graças a ele que eu e meus colegas improvisadores conseguimos desenvolver essa habilidade que é a improvisação.

- É verdade - complementou Fred - eu já era ator e resolvi fazer uma especialização na Inglaterra, que foi onde eu conheci o Monty Python, que eu comentei com vocês, e lá eu desenvolvi o teatro de improviso e trouxe para o Brasil. Eu morei fora por um bom tempo e quando eu voltei, pouquíssimas pessoas conheciam. Foi aí que eu descobri um cara chamado Márcio Ballas que na época era palhaço de hospital e depois ele me apresentou a esse cara aqui. Daí pra frente a gente começou a desenvolver e hoje vocês vêem o sucesso que é.

- É. Graças a esse mestre e ao Ballas que a gente tá onde tá hoje. É por isso que sempre que eu estou por aqui venho visitar a Cario. E vocês estão tendo o privilégio de aprender com o melhor!

- Não exagere, rapaz. Tem muitos outros que vieram antes de mim. E virão outros melhores.

- Como eu, né Fred - disse Rúbia.

- É você, o Caco, a Antonella, todos vocês que estão aqui, se se emprenharem, poderão ser melhores que os melhores. O sucesso quem constrói é você mesmo.

Nesse momento Anderson vê Antonella e lhe cumprimenta.

- Ooooi, olha que coincidência! Isso explica muita coisa, moça - diz ele lhe dando um abraço - não sabia que você treinava aqui.

- Pois é - diz ela sorrindo com deboche ao ver a expressão de inveja de Rúbia - eu tenho o melhor professor.

- Essa aqui é muito boa, hein, Fred. Eu pude tirar uma casquinha, no bom sentido.

Antonella sorri um pouco constrangida pelo comentário  de Anderson. A turma treinou mais um pouco, aproveitando a presença de Anderson que convidou a todos para o último dia de Improvável no Rio e avisou que havia aberto sessão extra. O treino acabou e Anderson ofereceu uma carona para Antonella.

- Muito bom, hein? - Disse ele dando partida no carro.

- Foi sim! Que surpresa você ter vindo aqui. Não sabia da sua relação com o Fred.

- Ah, o Fred é como um pai pra mim. Se eu te contar que no início meu pai não concordava muito com essa história de ser ator. Meu irmão estava cursando engenharia e era o orgulho do meu pai que queria que eu seguisse uma carreira acadêmica. Sabe como é né? - ela ficou em silêncio - Seus pais, o que acham de você como atriz?

- Digamos que eles não podem opinar - disse ela forçando um sorriso - eu fui criada com uma tia do meu pai. Eles se separaram quando eu era criança e a minha mãe se casou novamente e se mudou. Eu não soube mais deles.

- Desculpa, eu não sabia.

- Ah, tá tranquilo. não sou de fazer draminha por isso. Eu terminei meus estudos e fui trabalhar no projac servindo café e foi lá que eu conheci a Samara. Ficamos amigas e quando minha tia avó morreu foi bem na época em que ela largou o Leandro, então eu fui morar com ela. Eu só tenho a Samara e as meninas como família. E sim, ela apoia totalmente, aliás, ela é a minha maior incentivadora. Devo muito a ela.

- História de superação. 

- Nem é. Não vejo assim. Gosto de pensar que para nos guiar o destino constrói  paredes e abre portas.

- Hum... Quer dizer que o destino abriu uma porta entre nós dois? 

- Bom - ela sorriu - talvez. Você me parece um bom amigo.

- Amigo. Ok - disse ele, coml se aceitando uma informação.

Ela lhe deu um tapa no braço e ambos continuaram conversando sobre improvisação até chegar na casa de Samara.

- Está entregue.

- Não quer entrar?

- Quero, mas não posso. Tenho que ir porque hoje são três sessões. 

- Foi bom conversar com você - disse ela lhe dando um abraço - até mais tarde.

- O prazer foi meu. Desculpa qualquer coisa.

- Nos vemos mais tarde.

- Estou ansioso pra isso.

Ela riu e saiu do carro.

Em Breves PalavrasWhere stories live. Discover now