O QUE ACONTECEU DEPOIS DO VINHO

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"- ...por que eu não lembro de nada que aconteceu depois do vinho.

Todas as cabeças viraram em nossa direção e eu queria me jogar da janela. Para fechar com chave de ouro o momento, Enzo me arrastou para fora da cozinha, de luvas e tudo.

- Qualquer coisa que eu tenha feito você precisa me perdoar, Chechília. Realmente sinto muito - ele apertava os olhos por causa do sol, enquanto entrava no carro.

- Não aconteceu nada, Chef. Você cantou todo o CD de Pablo do arrocha e depois dormiu, enquanto o Seu Paulo te trazia para casa.

- Apenas? - ele não parecia convencido.

- Por quê mentiria para você? - Não contive a risada, tamanha ironia da minha frase." Capítulo 5, Enzo leva Cecília à Itarari.

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Andaraí, RJ.
Aproximadamente 1 litro de Cantina da Serra depois.

- Chechília, estou nadando! - Enzo balançou os braços grandes como se estivesse mergulhando no jato do meu chuveiro, tão entupido que mandava água para todo lado na minha cortina de banheiro plástica e desbotada. Deprimente.

A bebida é ingrata, crianças.

- Pela décima vez, pare de jogar água em mim! Jesus amado, como você conseguiu ser expulso do bar do Seu Rami?

- Io non tinha ideia que aquela coisa de papelão era così prezioso... AI, AI, va bene! - ele desviava de cara feia enquanto eu tentava, com uma vassoura, esfregar de longe os restos de vômito e papelão molhado da sua camisa e barriga.

Sim, é isso mesmo. Ele vomitou em cima do histórico pôster do Raça Negra. Minha vida não podia ser melhor: Uma hora progredindo na busca da receita secreta, na outra meu chefe fica podre de bêbado, achando que meu chuveiro é uma piscina.

- Está chorando! - ele apontou pra mim, como uma criança acusando uma ladra de doces. - Por que está chorando quando estou quase pelado, Chechília?

Funguei, batendo nele com a vassoura.

- Por que nada dá certo pra mim, Chef. A vida dos outros é tão bonita: O frango xadrez, no ponto. A vida amorosa, em ordem. A casa, toda arrumada!

- Não sei a casa de quem você tá falando. A minha que não é. - ele deu de ombros, fazendo graça. Só conseguia chorar mais ainda, com raiva daquele sorrisinho embriagado. Cansada de esfregar, sentei de roupa e tudo naquele box pequenininho. Enzo sentou junto, o barulho do chuveiro isolando o nosso mundo. - A gente não pode se colocar na forma dos outros, bella. Cada um tem um tanto diferente de ingredientes, capire? Se tu for pudim, e entrar numa forma de bolo, a receita não dá certo.

- Não tem o que fazer, Chef. Tô perdida. Não se acha uma forma de pudim dando sopa por aí. - ele olhou pra mim, os cabelos caídos nos olhos. Levantei a minha mão em um suspiro e levei ao seu rosto, roçando nos pontinhos de barba por fazer e eriçando minha pele molhada

O buraco negro dos seus olhos aumentou, me levou. Nadando entre os planetas e órbitas paralelas, eu estava. Não mais ali. Minhas mãos desceram pelo seu pescoço molhado, traçando um caminho tortuoso na gola da sua camisa semi aberta, minhas unhas raspando na sua pele, meu corpo quente contra o piso frio.

Ele sugou os lábios. Torceu os dedos.

A porta abriu.

- Papai chegou! - Alice apareceu na soleira - vai levar ele pra casa. Sem mais bagunça por hoje.

Enzo foi embora um segundo depois, meus dedos ainda queimando.

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Amigos!
(Ai que saudade de falar isso)
Eu devia estar estudando para a prova de Patologia, mas estava lendo os comentários e me inspirei pra contar essa parte da história que, graças à mentirinha da Cecília, nós não ficamos sabendo.

Até breve!

OVO FRITOOnde histórias criam vida. Descubra agora