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Eu amo o Discovery Channel. Amo mesmo. É claro que ele aparentemente é um canal de televisão criado com o intuito de fornecer mentirosos artigos para professores de biologia, história e geografia que não estão muito afim de preparar aulas e, portanto, só ligam o gravador em qualquer porcaria que esteja passando nesse canal e colocam pra passar pros pestinhas no dia seguinte. Mas, graças ao meu antigo professor (viva em paz, Bolachão!) ter passado as inúmeras temporadas de "Pronto Socorro" para nossa sala entediada, eu soube executar uma manobra de heimlich e evitar o cheff de morrer engasgado quando viu o restaurante vazio. De nada, cara. Agora me dê um aumento.

– Em todos os jornais, todos! – Finamore pula dos meus braços e corre até a janela. A multidão que ouvira lá fora quando entrei não eram fãs e sim repórteres.

– Na internet também... – Paulo lembra, lendo a notícia no celular – "Novo restaurante da cidade, Sparvoli rouba clientes do Cipriani no segundo dia de funcionamento. Truque de marketing ou não, também estou indo conferir o prato mais inovador e secreto visto: Vendetta. Confira..." e de resto são fotos da fachada do restaurante.

– Mas que diabos, estamos perdidos! – Mariana bate com a mão na bancada.

– Não é para tanto, pessoal! – Papai tenta acalmar os nervos – Isso é apenas uma novidade, com uma receita secreta boba que as pessoas vão por um tempo e depois voltam para nós. Somos o Cipriani, o melhor restaurante italiano do país!

– Não podemos nos dar ao luxo de "esperar eles voltarem" – Finamore fala com uma voz de deboche, nervoso. – Temos uma quota de pratos a bater, multas a pagar, empregos a perder! Temos que armar um plano de retaliação.

– Sua sede de sangue já desbanca a concorrência, Cheff. – Alfredo faz graça e recebe um guardanapo na cara.

– E se Finamore infiltrar-se na cozinha deles? Se conseguíssemos um prato para testes? – Maria sugere, indecisa.

– Claro que não! – Ele ri – Qualquer idiota me reconheceria. Todos nós. Somos a equipe mais famosa do Rio. Não, deve ser alguém desconhecido, mas que está na nossa cozinha. Alguém insignificante. Alguém como...

Ah, merda.

Cecília, pronta para salvar nosso emprego? – Finamore ri enquanto eu penso em como enfiar aquela azeitona de volta na sua garganta.

– Cecília, pronta para salvar nosso emprego? – Finamore ri enquanto eu penso em como enfiar aquela azeitona de volta na sua garganta

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– Palavra de sete letras para "Minha irmã se tornará uma super-espiã"? – Amanda ri. Seus cachos estavam absurdamente revoltos naquele fim de tarde, dando-a um ar sapeca.

– Ei, sem caça palavras na hora do jantar! – passo meu corpo por cima da mesa para tentar pegar o pequeno caderno, sujando-me de farinha. A campainha toca e Amm saltita pelo caminho até a porta.

– Boa noite, docinho! – Ouço a alegre voz de Mari aproximando-se da cozinha e logo fico mais animada. – E então, 007? Vejo que o frango não aceita muito sua licença para matar – e riu, fazendo sons de revólver com os dedos indicador e polegar levantados para mim.

– Cala a boca, sabe que estou surtando com isso de espionagem. Que coisa ridícula! Quem faz isso atualmente? – Levanto o facão para cortar o pescoço do frango pela décima vez e acerto um copo, espalhando todos os cacos pelo chão.

– Só todas as grades empresas do mundo! Isso é mais comum que pensa, docinho. E sai daí, hoje o jantar é por minha conta. – E coloca as mãos em meus ombros. Desde que nossa mãe trancou-se nos sonhos, Mari assumiu o papel maternal com vigor. Ela vinha aqui nos fim de semanas para dar bronca, conversar, cozinhar e ser uma mãe comum. Isso era absurdamente maravilhoso.

Olhando-a mais fixamente, percebo o quanto o tempo lhe deixara poucas marcas. Em seus belos quarenta e nove anos, Mariana ainda ostentava os belos cabelos louros típicos da sua região sulista e os olhos verde-esmeralda questionadores, que só me faziam amá-la ainda mais.

– Eu não sei se posso fazer isso, Mari. É que parece um trabalho tão propenso a mais erros que acertos... – afundei na cadeira.

– Não a entendo, querida. Você passou todos os meses reclamando por não ser reconhecida, por parecer invisível, por ser auxiliar tendo pós-graduação em gastronomia... E quando finalmente tem sua chance, sua real possibilidade de aparecer e evoluir no Cipriani eu vejo suas atitudes de falsa menininha indecisa e sei que você está mentindo para si mesma!

– O que você está querendo dizer?

– Estou falando para parar de fingir ser a tapada indecisa que você está sendo! Você quer e sabe que pode. Só que acabou por acreditar nas pessoas que não confiavam no seu potencial e tem vergonha de falar que pode, agora. Não finja. Não para mim.

Ela tira as mãos do frango xadrez e olha profundamente nos meus olhos, esperando uma resposta que eu não poderia dar.

– Amanda, solte esse caça palavras e venha para a cozinha, quero ouvir sobre a escola! – ela grita, tirando o frango do forno e colocando na mesa.

Sentada à mesa de jantar, tentava entender como faria para bancar o Plâncton amanhã até receber um guardanapo na cara. Encarei os olhos questionadores de Mari enquanto ela reclamava comigo.

– Modos, Cecília! Modos à mesa! Parece um brutamontes com a boca tão cheia assim. Só por que você é magra de ruim não significa que deve comer um boi toda refeição.

Limpei minha boca com o guardanapo que ela jogou para mim, rindo de boca cheia só para deixa-la irada.

– Urgh, nojenta. – Amanda fez uma careta para mim – Quantos anos você tem? Doze? Nunca vai arranjar o emprego no Sparvoli assim.

– Vinte e três. E vou arranjar o emprego de qualquer jeito, quem quer lavar pratos além de mim? – Engoli a comida que estava na minha boca antes de falar, pelo menos.

– Lembre-se: Foco no que você vai fazer. Nada de bancar a sabichona na culinária e estragar o disfarce. – Me entrega um prato – Espero que não tenha esquecido ela.

– Não é tão fácil esquecer-se da mãe – eu sussurrei, pegando o prato e caminhando até o quarto dela – pincipalmente quando ela torna-se um vegetal astrólogo.

OVO FRITOWhere stories live. Discover now