Capítulo XX - Jon

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Harrenhal não conhecia neve. Havia sido construído na imponência de Harren, feito para resistir e amedrontar homens que se desafiassem a chegar perto o suficiente de suas ameias. Mesmo agora, depois que o fogo de Balerion, o Terror Negro, houvera transformado suas torres que antes atreviam-se a tocar os céus em não mais que garras murchando; ou que toda a sua engenharia não passasse de amontoados de blocos cinzentos, restos de brincadeira de uma criança travessa – mesmo assim, ele ainda guardava aos passantes uma onda de sombras, que sussurravam sobre sua antiga glória. Mas não fora feito para neve, e esse Inverno a apresentava de uma forma cruel.

Interminável, incessante e impiedosa, ela caía dia e noite, derramando-se pelas torres quebradas, recobrindo telhados com véus finos de noiva, criando um novo tipo de solo; mais duro, branco e inóspito. De dentro de seu cubo úmido Jon não podia ver isso, a única janela se esforçava para lhe informar se havia sol ou lua, se nevava ou não. Mas ele era filho do Norte, o cheiro de neve fresca, o ar que se tornava mais puro e centenas de nevascas em sua memória bastava para que ele pintasse um ambiente reconfortante em sua imaginação. Como o mundo lá fora seguia sem ele.

O lobo do vento uivou por entre as frestas da porta, apressado pelo corredor, e fez seus ossos tremerem. Era sempre frio ali, e molhado, como uma cama de palha durante a chuva. Depois de bater os dentes, espremer os dedos para debaixo dos braços e desejar que seu sangue não desistisse de regar suas pernas, os homens vieram.

Ele ainda não sabia de muita coisa – estava ali há apenas três dias –, sua mente não estava fraca e seu corpo ainda podia se debater contra quem quisesse lhe segurar. Mas mesmo assim um calafrio percorreu sua espinha quando a porta foi aberta, depois de um demorado chacoalhar de chaves. Beltoar apareceu segurando uma bolsa de couro com pequenas protuberâncias querendo perfurar o tecido. Logo atrás dele um homem que poderia rivalizar com o Cão de Caça, na altura e nos modos rudes, encoberto por um manto cinza encardido. Este segurava um martelo.

Jon fechou os dedos ao redor de uma pedra que a parede perdera. As extremidades irregulares tentaram perfurar sua carne. Uma pedra pequena não seria suficiente para matar o meistre, ou mesmo o encapuzado do tamanho da porta. Mas talvez pudesse fazer um estrago naquele rosto enrugado.

- Dormiu bem, meu senhor? – Beltoar mexeu dentro da bolsa, e o ferro tintilou de repulsa. O encapuzado começou a desenrolar as correntes que amarravam-se em sua cintura. O ferro dos elos rangeram uns nos outros, o martelo cantou neles, e a bolsa de couro sussurrou na mesma língua. – Temo que o frio só vá piorar, como bem sabe. Mas não vamos conversar muito agora. Não antes de começarmos. – Ele retirou a mão de dentro da bolsa, e um prego avermelhado reluziu.

O encapuzado reduziu seu campo de visão ao tecido cinza e grosso enquanto  ele trazia suas mãos rígidas para dentro dos grilhões. Mas o filete de ferro continuava a brilhar em sangue nos seus olhos. Um martelo eles haviam trazido.

- Jon.

Ele piscou para o mundo, que de repente mostrou-se claro e colorido. Uma mesa abarrotada de comida apareceu à sua frente. Rostos desconhecidos o encaravam, olhos demais.

- Jon? – A voz vinha de lado, seus ouvidos abriram-se para os sons. Daenerys... Ele a viu apagada, encoberta de sombras, o cabelo escuro de lodo. Seus olhos eram como as contas pretas e pequenas de um rato. – Jon. – Sua mão esticou-se enrugada, velha demais, mas quando seus dedos o alcançaram, o calor familiar percorreu a pele. Não a mão fria do meistre, sua Daenerys. Então ela corou-se, os cabelos tornaram-se prata a outro piscar de olhos e um suspiro escapou de seus pulmões aliviados. A mulher sempre percebia quando ele finalmente a reconhecia. – Você está bem? – Pergunta tola. Mas eles estavam em frente à corte. Claro que ele estava bem.

Um Conto No InvernoWhere stories live. Discover now