21. Encanto de Hamelin [Luiza Coutinho]

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TEXTO PREMIUM

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Os meninos da Dona Heroína foram saindo de seus quartos, um por um em fila indiana pelo corredor, como que encantados pela flauta de Hamelin, seguindo a trilha do cheiro de doce com cravo e canela que recendia na casa toda.

Na cozinha, aproximaram-se do fogão para conferir. Era mesmo o doce de leite com coco que, já bem moreno, borbulhava no tacho. Ela os afastou dali para não se queimarem com os espirros das bolhas quentes. Sinal de que o doce já estava quase no ponto.

Todos se candidataram ao mesmo tempo para comer a rapa da panela e, naquele tira-puxa, sentaram-se ao longo da comprida mesa para aguardar o doce ficar pronto e depois o sorteio da rapa. Surgiam as perguntas: vai ser mole ou de cortar?

"De cortar", respondeu ela rindo da eterna balbúrdia que faziam em todos os dias de fazer doces. 

O avô, que já estava sentadinho na ponta do banco, riu e comentou com ela: "alegria de criança vem mesmo é das tripas". Todos acharam graça de sua fala. Para distraí-los, ele começou a lhes contar histórias de um tio dele, ainda do tempo do Império, que, apesar de ser da "nobreza", era dado a esquisitices.

Contou-lhes que certa vez esse tio ordenara às escravas de dentro da casa a lhe fazerem um doce. "Mas não era um doce qualquer desses que sua mãe sempre faz. Vocês já viram aquele lodo verde que parece planta, tipo funcho, bem fininho e que fica boiando sobre a água das minas?", perguntou-lhes o avô Lulu. "Pois bem, esse meu tio, o Chico Barão, quis comer doce de lodo. As pobres escravas tiveram que se virar para dar conta de fazer o tal doce que ele inventara. Fizeram uma calda de açúcar, temperaram com cravo e canela e acrescentaram o lodo, deixando ferver bastante. Puseram o doce numa compoteira e o levaram a ele para a degustação. Só que, para surpresa dos então presentes, ele lhes perguntou: que gosto tem?

"Não provamos", responderam as mucamas em uníssono. Imediatamente, ordenou-lhes: "pois então provem!". O medo ou a prudência de não contrariar um maluco, ainda mais seu amo e senhor, levou-as a engolir os vômitos e aquela gosma verde, sob seu olhar vigilante.

"E aí, qual é o gosto?"

"De lodo", responderam.

"Ah, então não quero, não! Podem levar isso para lá. Se me der vontade eu como depois."

Nesse ínterim, o doce já dera o ponto, fora batido à mão para endurecer e Dona Heroína já o tinha despejado no tabuleiro. Em seguida, com uma faca marcou sua superfície em quadradinhos, foi cortando e os colocando numa bandeja, não permitindo que nenhuma mão boba se aproximasse. Para acalmar-lhes a ânsia por doce, deu um quadradinho, ainda quente, para cada um e avisou que só iria fazer a distribuição do restante depois que esfriasse.

Colocou a bandeja na mureta da porta da cozinha, para ventilar e fechou a porta, para evitar tentações visuais.

Um dos meninos mais velhos deu uma espreguiçada com os braços e falou em voz alta: 

"Ai, ai... Vou sair para dar uma volta." E saiu em direção à sala.

Sua perspicaz mãe abriu a porta da cozinha, agachou-se atrás da mureta para não ser vista, aguardou alguns segundos e, sem erro de cálculo, puxou a bandeja justo na hora em que a mãozinha daquele que saíra dar uma voltinha ia pegar um doce.

Foi um susto e um grito de um menino que surpreendido sorriu amarelo e sem graça de ter sido pego no "pulo", na frente dos irmãos, suas testemunhas de gozação. Levou um sermão da mãe, entrou para o anedotário familiar e o mais importante: teve cortada uma promissora carreira de rato tal foi o encanto de dona Hamelin.

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Este texto foi escrito por uma aluna da Escola de Escritores, em uma das tarefas do curso.
Por isso, foi realizado com suporte do professor Paulo Santoro, e publicado com sua revisão!
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