1. O afeto e o desapego [Luiza Coutinho]

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Minha prima Beth postou hoje no Facebook um texto sobre um fato bem comum: muitas pessoas insistem em guardar roupas que não usam, papéis que não servem para nada, coisas acumuladas durante anos e anos, e que elas nunca utilizam...

Margarida Lucas, autora desse texto, diz que psicólogos e outros terapeutas concordam que o nosso inconsciente emite mensagens quando acumulamos em casa coisas que não utilizamos. Sabe qual é a mensagem do seu inconsciente quando os corredores da casa estão cheios de tralha acumulada? Reflete um conflito de comunicação, medo de expressar o que queremos na nossa vida.

É... Pode ser que um dia desses eu abandone a preguiça, tome coragem para fazer um monte de coisas que vou adiando. Às vezes começo um faxinão, cheia de ânimo e determinação, mas, quando dou fé, já estou sentada no meio da bagunça, com um objeto na mão, perdida em lembranças gostosas, em que uma puxa outra, outra e outra. A coragem vai esmorecendo. O tempo corre, outras urgências surgem e o bota-fora termina "meia-boca", com tanto "isso não" e só um pequeno monte de "isso sim".

Já tentei isso várias vezes e consegui dispor de muitos itens desnecessários, mas sempre doando objetos mais recentes. Sinal de que as que gosto, não. Essas vão se gastando até se acabarem.

Tenho na memória uma cena patética com minha mãe, no quintal aos prantos, agarrando-se a um guarda-roupa de solteiro que fizera parte de sua primeira mobília de quarto. Chorava e xingava seus desnaturados filhos, que haviam decidido doá-lo à revelia dela. Esbravejando, demarcou seu território e sua autoridade: esta casa é minha, este móvel é meu e faz parte da minha história e da do seu pai. Não é porque compramos outros que quero me desfazer dele. Deixem para fazer isso e o que mais quiserem quando tiverem suas próprias casas.

Diante do choque de nossa arbitrariedade com o da sua autoridade, a sensibilidade aflorou e o velho guarda-roupa voltou ao seu antigo lugar. Foi a última peça a ser doada, quando nos desfizemos da casa de mamãe.

Ah, Beth, desapego de antiguidade para museólogo e historiador é muito difícil... Melhor deixar para terceiros essa tarefa.


Clube dos Escritores - Talentos do Texto CurtoWhere stories live. Discover now