9. Chuva com sol [Edélvio Coelho Lindoso]

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"Chuva com sol, chuva com sol, casa raposa com seu Rouxinol".

Essa cantiguinha de criança acompanhava cada chuvinhada com sol claro; era o delírio multicor de uma cortina de água semelhando uma cabeleira molhada com marrafa correndo de alto a baixo, toda bem penteada. Seriam os cabelos da Virgem Santa? Reflexos rosa e azul-claros, roxos brandos também, brancos às vezes, reluzentes sem empanar a luz do sol. Apareciam os riscos dentados do pente e se ondulavam ora à direita, ora à esquerda, ora jogavam uma perna à frente, ora a outra e era esse espetáculo que Deus me dava. Algum chuvisco me beliscava a cara; eu queria mais, além das cores, dos movimentos e do terma, quando vi aquela paredinha fina como uma tela descer até o chão duro da terra; subiu uma fumaça se sorrindo, o solo amarelo foi se empretecendo, estava matando a sede e absorvia a água colorida, muito alegremente; foi aí que senti o cheiro de terra molhada, fraquinho, ele me foi tomando e eu o aspirava profundamente. Deus monitorava meus sentidos. Resolvi ver melhor o sol brilhando e, devagar para não partir a linha do pano-d'água, com os dedinhos de leve, os abri e olhei de frente o sol morno mas não ardente; ele olhou pra mim e se riu, desespremeu os lábios e sorriu; que dentes brancos; eu também sorri e acenei a mão; ele marotamente me piscou um olho, encheu as bochechas e assoprou; balançou a cortina corrente e ela remexeu alegremente, como agradecendo a brincadeira, e aí, meninos, eu vi: os cabelos do sol eram loiros e ele os balançava pra cima e pra baixo, da cabeça até os ombros. Juntei tudo — o cheiro da terra, o mormaço do sol — e recuei deixando aqueles cabelos me açoitarem; os meus, amarfanhados, foram pregados na minha cabeça e no rosto. Delirei com aquele presente e me assustei com o grito esganiçado da mãe: "Menino, sai da chuva que tu vai se constipá!". Mas eu, nem aí: queria mais era brincar com Deus, com a chuva miudinha e com o deboche do sol; ah, ia me esquecendo: com o ar cheiroso que entrava pela venta adentro.

Hoje, quando chove, fecho a janela; se venta, levanto as abas e se o sol me quiser dizer alô, taco uns óculos "ribânio" em cima dos olhos, agora já azulando; não cheiro o ar, o nariz está entupido. Por que as crianças sempre estão perto do céu e nós, no nosso outono, complicamos tanto esse achego? Ah, pureza, inocência, carinho, riso-frouxo, confiança, tristeza de criança que faz adulto chorar. Se as crianças não crescessem, se fossem sempre um menino Jesus; se ficassem um pinóquio com seu grilo falante; se parassem como o Pequeno Príncipe regando suas plantinhas!...  Ah, se fosse assim!

Clube dos Escritores - Talentos do Texto CurtoWhere stories live. Discover now