Fuga

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05 de abril...

Quando sou eu, eu fujo, quando não sou eu, eu escapulo...  

A mulher que mora três ruas acima da nossa passou com seu filho pequeno no carrinho de bebê. Ao seu lado estava o fantasma de um menino de oito anos, de olhos duros e zangados, segurando sua mão como se a quisesse levar para a morte. Ao redor pululavam seres trevosos como se fossem moscas varejeiras alvoroçadas sobre carnes pútridas. A senhora, cujo semblante mostrava rigidez amedrontada, tinha o braço duro, caído, a mão em riste, demonstrando sofrer grave alteração muscular. Eu sabia que o menino morrera em um acidente de carro, mas não conhecia os detalhes da história toda. Na semana de sua morte eu estava fora, trabalhando para a PF.

Em pensamentos, eu lhe mandei um recado: "Menino, você está machucando a tua mãe. Você precisa partir. Eu sei que você está vendo esse senhor de branco ao teu lado. Por que não vai logo com ele." Nem assim o menino se soltou, e eu me calei, esperando que a providência resolvesse o caso. Mais tarde, conversando com Mônica, ela me contou os detalhes do acidente.

- O pai não estava correndo, Pedro. Mas ele foi desviar de um buraco na pista molhada por causa da chuva, o pneu furou e o carro derrapou feio para o lado da estrada. Eles só não foram ribanceira abaixo por causa de um mourão de cerca de cimento onde eles bateram. Foi o que segurou o carro e nem foi uma batida forte. Aparentemente, todos estavam bem, outros motoristas ajudaram, o SAMU chegou para socorrê-los, graças a deus. O menino, entretanto, tinha batido de lado no vidro. Até cortou um pouquinho a testa. Durante o restante da viagem a mãe conseguiu mantê-lo acordado, assim como durante o resto do dia. A gente sempre faz isso quando criança bate com a cabeça, sabe? Mas não adiantou. O menino faleceu de madrugada e foi encontrado morto pelo pai de manhazinha. Com a batida, ele teve traumatismo craniano e hemorragia na cabeça. Foi esse o laudo da morte. Desde então, ela anda sentindo dores no braço que está endurecendo sem qualquer causa aparente! Ela está até fazendo fisioterapia, mas não está adiantando. Fora a depressão, não é? Perder um filho tão novo assim.

- Ele está lá grudado na mão dela, Mônica.

- Você não pode fazer nada, Pedro?

- Eu pedi a ele que fosse embora, mas ele está grudado. Acho que a mãe também fica segurando ele.

- Você é um anjo, Pedro.

- Mas não para agarrar o menino e afastar ele da mãe. E eu não quero ajudar. Não sou obrigado. Já basta o que acontece todos os dias... 

- Você é um anjo, Pedro. - Mônica insistiu, bem baixinho.

- Eu realmente queria um pouco de ironia na tua voz, Mônica. - Eu falei e fui pegar meu filho no colo. 

- Não tem importância, meu bem. - Mônica falou, ainda dobrando as roupas de cama, o jeito carinhoso de sempre. - Eu vou rezar para ele todos os dias.  

Mônica e suas velas para Nossa Senhora da Guia.

Três dias depois eu vi a senhora de novo. O menino ainda estava com ela, mas andava um pouco atrás... No caso, a minha vidência normal ajudou de certa forma. Melhor assim...




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