12 - Ballet.

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Movia-se com graça e maestria, o impulso forte para erguer o corpo num movimento mais brusco e uma delicadeza sem igual para pisar mais uma vez no assoalho de madeira, assim, com tamanha plenitude em sua beleza, assemelhava-se as uma plumas de um travesseiro luxuoso, leve e singelo. Mas, ao fitar em seus olhos, toda a inocência característica da cena se dissipava e ia embora, ao esmo e sem promessa de regresso, apenas ia-se… Para longe, em sua alma, algo fazia-o revirar-se numa mutação grotesca, pois os olhos – impuros e sem brilho –, pareciam cuspir uma malícia nunca vista antes e talvez, num pensamento sem pudor, houvesse ali mais uma dádiva divina.

Ao som do gênio Tchaikovsky, o ensaio seguia. Caetano sentia-se entre nuvens, contudo, antes que pudesse cruzar os portões do paraíso, o inferno puxar ia-o para sua imensidão de incertezas e, tragicamente, este seria o seu fim. Oh, por Deus, sem os aplausos d'uma plateia em êxtase? A dor não poderia suportar, daí então… Entregar-se-ia à loucura sem fim, até que viesse, finalmente, seu próprio fim. E numa nota mais alta, um salto, o chão, a glória, a inveja, o ódio, a dor, a morte; ao amor!

Bailarinos de rostos tão diversos, postura e anseios. E, Caetano, ali estava, mais uma vez sem importar-se com os colegas. Seus olhos, espelhos translúcidos da alma em chamas, voltados estavam sempre para o mestre e não poderia ser diferente, era mágico. As nuances da música, o gosto da saliva em sua boca, a ponta dos pés sustentando-o; a perfeição. Pela primeira vez em muito tempo, os pulmões encheram-se de um ar tão pesado e só pôde atribuir à intensidade que trazia cada melodia, a pureza inexata.

À sua falta de vernaculidade, deveria agradecer, mas o orgulho teimava em não curvar-se a si próprio!

— Pare! - bravo, o mestre gritou. Bailarinos imóveis, assustados. Silêncio, até o pianista recolheu-se no canto que tocava, que ousava toca-lá, a música infernal. — Caetano, eu quero ver inocência e pureza em seu olhar, você precisa entregar-se ao público e mostrar-se imaculado. - severo, um olhar duro que fez o menino abandonado ressurgir no outro.

Engoliu seco, então disse, o dono da postura perfeita e fios tingidos:

— Mestre, faço o meu melhor. - a calmaria forçada em sua voz denunciou o nervosismo. A quarta vez que o mais velho chamava sua atenção e precisava, desesperadamente, agradá-lo. — Farei o melhor Cisne que o mundo já viu, juro.

A risada áspera do mais velho encheu a sala de ensaios, uma agulha não ousaria cair após o riso sarcástico:

— Você é um perfeito cisne, doçura, o Cisne Negro. - aproximou-se do rapaz, então parou à sua frente e segurou-o pelo queixo, bruto e sem medir a força exercida no aperto, formando o típico biquinho nos lábios bem desenhados. — Mostre-me o Cisne Branco, caso contrário… Ivana o fará. - ameaçou, olhando para a ruiva que lhe sorriu felina.

E com a sutileza de um trovão, o mestre deixou a sala. Era o fim abrupto de mais um ensaio, era tudo o que Ivana precisava e, também, era tudo o que Caetano não podia mais permitir, os aplausos eram seus… De ninguém mais. Seria a perfeição andrógina num palco deslizante!

Ascendeu um cigarro e tragou as impurezas tão particulares de sua... Promiscuidade. Mas, custasse o que custasse, alcançaria a inocência que lhe foi roubada ainda na infância por aquele que deveria amá-lo e protegê-lo; seu pai matou o Cisne Branco que havia em si.

Ressuscitá-lo-ia, mesmo que custasse a sua vida ou de outrem, a perfeição costuma cobrar seu preço. À juros.

Contos de Sexta-feira...Where stories live. Discover now