9 - Saudade.

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Para cada lágrima, um suspiro...

Seu corpo esguio movimentava-se num suave arrastar pelos corredores do casarão e, enquanto as lágrimas aquecidas por uma dor incomensurável rompiam as barreiras do azul intenso que compunha seu olhar, as lembranças da paixão tórrida vivida no passado voltavam com a alcunha das palavras feias que lhe foram desferidas há tempos, então com mais intensidade as lágrimas rolavam por sua face pálida e fantasmagórica, tal a vivacidade de seus longos fios do cabelo dançando com o vento apressado que corria e levava consigo um pouco de sua dor, mas não o suficiente para deixá-lo bem... Ou apenas deixá-lo ir.

A melodia, melancólica demais para seus tímpanos, que se ouvia era algo como uma sutileza vinda do Inferno, pois o Céu estava se distanciando de si cada vez mais e seus olhos, tristes e opacos, não permitiam que a luz refletisse nas íris bonitas para amenizar a escuridão que tão bem lhe acompanhava no seguir da eternidade cruel. Os espinhos fincados em seu coração já não doíam mais, não quando sua alma fora calada pela dor antes citada; e seus medos guiavam-no para uma direção que não traria benefícios. Nem dúvidas, a certeza quase calava sua voz.

— Tenha piedade... - seu murmúrio não seria ouvido por ninguém, tampouco atendido. A voz rouca e grave ainda lembrava a delicadeza que se perdeu com o passar do tempo, havia certa suavidade no tom baixo. Certo encanto aprisionado na maldição.

Há em todas as histórias eternizadas na versão do povo seus dois lados, contudo, o terceiro nem sempre é contado ou buscado com o afinco dos outros e, igualmente, às vezes a versão original se fragmenta até se perder no vácuo e não há quem se lembre depois, pois os personagens morrem e a importância se vai com eles. Marzel lembrava-se de tudo nos mínimos detalhes, bastava fechar os olhos para que a lembrança se tornasse tão viva quanto os humanos que não ousavam adentrar sua morada, o nó na garganta impedindo-o de cantarolar a cantiga que acompanhava a melodia das notas de piano, a música tão enraizada naquele chão quanto si... E tocava só.

[Domingo sombrio, com centenas de flores.

Eu estava esperando por você, querida, com uma prece lenta;

Uma manhã de domingo, correndo atrás de meus sonhos.

Lágrimas de sangue escorriam pelos meus olhos enquanto eu ouvia aquela canção ecoar em meus ouvidos,

Tal como o som da sua voz serena sussurrando uma canção só me fazia sofrer cada vez mais...

Minha carruagem de tristeza retornou sem você.

É desde então que meus domingos foram para sempre tristes e sozinhos,

As lágrimas são minha única bebida, a tristeza é meu pão.]

O aroma das rosas sendo levado pelo mesmo vento que sacudia suas mágoas e trazia à superfície sua maior inquietação, Marzel podia ouvir ao longe uma mãe contando sua história, de forma caótica para a filha que estava prestes a adormecer, o quão estúpida fora a execução de sua tragédia? Para que fosse transformada num maldito conto de fadas! Ninguém falaria sobre o sangue? Sobre suas lágrimas e dor, sobre os murmúrios que ainda escapavam de seus lábios avermelhados pelo carmesim de seu amor...

Que a poesia fosse para o Inferno! Viver assim, na prática, não tinha beleza alguma. Nunca tem. Talvez as coisas sejam realmente guiadas pelo destino ou por algum ser superior, apenas não conseguia entender o porquê de ter acontecido consigo, ainda lembrava perfeitamente dos sons que rodeavam sua infância, os cheiros e os gostos; os rostos. Sorrisos tão cheios. A paisagem era tão bela, flores pelo jardim e árvores frutíferas ao longo do pomar que morria em seu encontro com a floresta cheia de mistérios e a felicidade acompanhava todos na vila, onde sua casa era a mais vistosa – o casarão Schneider, como era conhecido –, a pintura que mesclava amarelo e azul parecia combinar perfeitamente bem com o céu e o cenário que poderia ser eternizado numa pintura, agora, as ruínas detinham toda a glória do lugar.

Contos de Sexta-feira...Where stories live. Discover now