Contos de Sexta-feira.
IV – Vida após a morte.
– Desejo provar da tal felicidade... - a voz baixa escapou por entre os lábios partidos, uma lágrima escorreu pelo rosto oval. Uma pequena prece entre tantas outras.
– Devias desejar algo sólido. - Retrucou duramente.
– A felicidade não é sólida? - Indagou inocente.
– Não. - Sustentou firme, indiferente.
– Ainda assim quero sentir. - Murmurou, sorrindo. Seu sorriso brindava a Lua, à noite. As estrelas no céu negro, o vento frio correndo dentre as árvores, as lágrimas...
– Por que? - Franziu o cenho, o homem louro. Seus olhos gélidos encarando o menor, a coloração âmbar demonstrava incredulidade. Quem iria desejar por provar da felicidade? Quem iria desejar se machucar? Quem iria desejar amar?
– Oras, porque, quero sentir o mais belo dos sentimentos. - Os olhos ametista sorriram. Aquele sorriso poderia desarmar exércitos, poderia causar compaixão, poderia causar encanto e dor. - Quero amar. - Ditou, perdido na sensação do que poderia vir à sentir.
– Tolice. - O louro bufou, exasperado. Amor não existia, não era real.
– Tolice, meu caro, é viver uma vida de dor e sofrimento. - Retrucou, tocando com a palma da mão macia no rosto alheio. Oh, a pele era quente, imaculada, perfeita. Angelical...
– Não temos escolha. - Afastou a mão carinhosa, engolindo em seco.
– Não queres ter de escolher, Damianos. - Sorriu compreensivo, recolhendo sua mão e encarando o céu amigo. - Queria ser livre como as estrelas... - segredou, fechando os olhos por um momento. Mais uma lágrima, mais um suspiro, mais uma prece.
– Falas tanta bobagem. - Soltou um murmúrio emburrado, o louro que mordia o lábio inferior. Tantas bobagens em palavras soltas o outro falava. Por que?
– Falo o que sinto e desejo, apenas. - Retrucou, rindo baixinho. Oh, aquela risada poderia causar sorrisos recíprocos naquele cenário macabro. Poderia, mas Damianos continuou mantendo sua expressão apática.
Silêncio.
A floresta negra chorava silenciosamente, os uivos de dor eram ouvidos ao longe, o clima frio e sombrio, o medo daqueles que passavam por entre as árvores. Uma pintura perfeita.
Abdelillah, dono dos olhos ametistas, levantou-se quando sentiu a primeira gota de chuva pingar em seu braço. Rodopiou. Os uivos eram o canto, o cenário seu palco...
– Venha-me acompanhar. - Pediu aos rodopios, estendendo as mãos na direção de Damianos, este apenas rolou os olhos. - Não sejas tão assim! - Riu-se. Seus cabelos prateados aos poucos ficando úmidos, os lábios finos e opacos, sorrindo.
– Não temos credibilidade alguma perante os outros por estas atitudes infantis de sua parte, Lillah. - Emburrando, o dono do olhar âmbar, ditou. Fitando o amigo, sentia vontade de sorrir, mas não o faria, não mais.
– Idiossincrasia de tua parte. - Aborrecido, voltou a dançar, ignorando-o.
Oh, era a dança mais sutil e bela e, as almas que passavam por ali desejavam por mais daquela visão graciosa, porém seus trabalhos nos confins não poderiam se demorar. Pena.
– Veja como a Lua é linda, Damianos. - Apontou para o alto do céu, onde a Lua majestosa iluminava seus passos da valsa mal ensaiada. - Como podes não sorrir com tal visão? - Indagou incrédulo, dando fim a sua dança e sentando novamente sobre o galho partido de uma árvore, ao lado do maior.
– Não me importo com essas coisas. - Murmurou, indiferente.
Abdelillah sorriu:
– Eu me importo com tudo o que acho belo. - Disse calmamente, balançando as pernas de forma infantil. O sorriso permanecia nos lábios finos, olhos brilhantes.
– Por quanto tempo conseguirás manter isto? - Sorriu maldoso, Damianos.
– Pelo tempo em que houver esperança em mim... - afirmou incerto, apagando o sorriso.
Damianos sorriu.
O silêncio voltou e ambos apenas observavam o vale, era belo. Ao longe, arrastando correntes, um grupo de condenados. Uivos, gritos, lágrimas, dor. Lindo. Abdelillah sorria, encantado. Damianos permanecia apático. A chuva bela...
Os cabelos do menor já estavam ensopados com as águas vindas do céu e os fios louros de Damianos pareciam intactos, secos, sem vida. Não se importava. Não mais.
– Escrevi um pequeno poema, palavras soltas, na verdade. - O dono do olhar ametista segredou, sorrindo abertamente ao que viu uma menina passando por entre as árvores. Vestido rendado e manchas de sangue, linda.
– Hm. - um murmúrio escapou por entre os lábios do maior. Por que o outro insistia em fazer tal coisa? Não precisava de uma dor maior...
Damianos levantou-se, caminhando até a menina que parecia perdida, segurou em sua mão. Sorriu, recebendo em troca um olhar de gratidão, caminhou com a pequena por entre o vale, levando-a até um pequeno lago, onde a mesma mergulhou, sumindo nas águas negras.
Um suspirou escapou de Abdelillah que observava a cena:
– Por que não a deixaste solta? - Indagou baixinho, sentido.
– Seria pior... - murmurou, aproximando-se. Fitou o menor com atenção.
Oh, aqueles malditos cabelos o deixando ainda mais belo.
– Queres ouvir meu poema? - Indagou pedinte, olhos brilhando.
– Um príncipe do Inferno produzindo poemas. - Damianos riu-se.
– Não ria, por favor. - Emburrou-se, o menor.
Sorriu, negando com a cabeça. Os fios louros que chegavam aos ombros ganhando algum movimento, sentou-se novamente, então segurou na mão do outro:
– Sobre o que és teu poema? - Acariciando a costa da mão alheia, indagou. Seus olhos de um amarelo âmbar e único, demonstravam algo.
– Não sei, apenas escrevi... - segredou, corando. Sentia-se estúpido muitas vezes, mas apenas agia da forma como seu coração mandava. Oras, tinhas um coração?
– Recite-o. - encorajou-o, apertando-lhe a mão levemente.
O dono dos fios prateados sorriu:
– Encontrar-te-ei na escuridão do vale, e na escuridão farei o caminho de volta; tão logo retornarei há tudo, mas não a ti... - a voz branda e gentil. - Encontrar-te-ei na escuridão do vale, perdido por outros mundos, desejo fazer parte do teu. Oh, mas tão logo quanto se fora, volte! - Emocionado, sentiu uma lágrima rolar pelo rosto. - E volte depressa... encontrar-te-ei na escuridão do vale, e que as sombras sejam amigas, nossas amigas; - encarou o louro, sorrindo. - E que as lágrimas se derramem por um equívoco, e que o amor seja recíproco... procurar-te-ei pela escuridão do vale. - Terminou, tímido. Sorrindo, contente por finalmente ter coragem.
Damianos sorriu:
– Lindo. - Elogiou. Por que o outro insistia em usar tais palavras?
– Não é apenas um poema... - murmurou, engolindo em seco.
– Eu sei, Lillah. - Riu baixinho, Damianos. Arfando em coragem, tocou o rosto do menor, fitando-o por completo. - Eu sei... - murmurou, aproximando-se.
O amarelo âmbar preso à ametista cristalina.
– Amo-te... - Abdelillah sussurrou, sorrindo.
– Eu sei. - Aproximou-se completamente. Lábios unidos, amor.
Um beijo único e calmo, lento e sentimental. Aquele era o amor que Damianos sempre temeu, aquela era a felicidade que sempre evitou, aquele era o começo de vida que nunca viveu.
– Lillah... - partiu o beijo, sorrindo.
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Contos de Sexta-feira...
Short StoryUma série de contos sobre os mais variados temas, abordagens e impacto. Toda semana um novo conto reinventado. #PassosLiterários.