Durante todo o caminho, eu recordava cada momento em que passamos juntos. Decidi ligar para um amigo meu, médico, e pedir que ele nos encontrasse na fazenda. Embora eu soubesse que ela se recusaria, como havia até mesmo se recusado a usar os recursos da medicina, até mesmo comigo. Foram raras as vezes em que a ouvi pedir que alguém me acompanhasse até a cidade para visitar o antigo médico da família.

E nessas poucas vezes presenciei calorosas discursões entre ela e doutor Bruno França, que vinha acompanhar nosso reestabelecimento, sobre a melhor forma de cuidar do paciente. O velho médico viera a óbito a anos atrás e desde então, a Joana achava que os médicos de hoje não eram mais capacitados.

Cada degrau daquela casa fazia com que meu coração acelerasse.

Não que não tivesse notícias do que se passava por ali, mas minha última estada no lugar não fora dos mais felizes.

- Vou tentar transferir sua funcionária para o hospital local, mas adianto que a infecção está instalada nos pulmões. – Assim que encontrou comigo no corredor meu amigo, já me deixara a par da situação. O motivo de ter se adiantado a nós, devia-se a pouca distância entre nossas divisas ao leste.

Vendo que eu não entendia do que ele dizia, esclareceu: - Pneumonia. – E assim se afastou falando ao telefone.

Entrei no quarto, escuro da fazenda, com suas janelas antigas e pesadas, em suas pinturas em branco e azul, que começavam a descascar.

Certifiquei-me que não havia mais ninguém no quarto. Ela estava sozinha.

- Joana? – Chamei seu nome, ao sentar-me aos pés da cama.

Sua respiração era fraca e entrecortada.

A Mulher que eu via ali deitada, em nada se parecia com a Joana que conhecíamos tanto. Sempre disposta e alegre. E agora, mal conseguia abrir os olhos.

- Estava... Eu estava. – Em um esforço tremendo ela segurou minha mão e devia estar com mais de trinta e nove graus pelo calor que emanava.

- Não precisa falar Joana. Não agora. Deixa para quando estiver melhor. O médico está aqui e irão te levar e depois poderemos conversar.

- Filho... – Era tão fraca sua voz que um aperto tomou conta do meu coração.

A palavra filho, para mim, vindo de seus lábios tinham grande significado e importância. Joana era de fato minha mãe. Não me gerara no ventre, mas acolheu-me em seu coração.

- Mãe! – Era a primeira vez na vida que eu pronunciava essa palavra a me dirigir à alguém. Por diversas vezes a pronunciei para jogar na cara de Irina, e de meu pai, que minha verdadeira mãe era Joana

Uma lagrima correu pelos olhos de Joana e eu não suportei.

- Pro...mete....

- Não Joana! – Era desesperador ouvi-la falar, como se estivesse desistindo da vida. Desistindo de mim. Ela nunca havia desistido de mim.

- Pro... – Apertou minha mão como se aquilo completasse a frase não terminada.

- Claro Joana. Eu prometo. Prometo que levaremos você até o hospital e...

- Karolyne.

Eu gelei!

Não havia dado esse nome à criança. Não quisera me envolver desde seu nascimento. E agora dois anos haviam se passado e eu não esperava por essa reação.

- Não Joana... A menina precisa de você. Não pode abandoná-la agora. Ainda é um bebê.

- Cuida... Gael. Cuida... Karo.... – Eu não podia fazer aquilo com a Joana, tinha que prometer o que quer que fosse.

- Cuido enquanto você estiver se tratando.

- Gael... – Levei suas mãos até meu rosto e beijei a palma. Se alguém tivesse me ensinado a ser amado algum dia, era Joana e ela precisava saber o quanto eu a amava, mesmo que tivesse que prometer o impossível. – Cuida da Karol pra mim filho... Promete.

- Eu prometo Joana! Eu prometo. – As lágrimas não cabiam mais em mim, então explodiram, me fazendo soluçar ali ao lado daquela que foi a pessoa que abriu mão de sua vida para me manter vivo. E havia feito também pela criança que eu havia gerado e não fora capaz de cuidar até o momento.

Nesse momento a porta se abriu vagarosamente e um ser minúsculo atravessou puxando um pequeno cobertor rosa e o outro dedo trazia na boca.

- Jojô. – Passou por mim como se minha presença fosse desnecessária e subiu na cama, ignorando completamente o estado de saúde da pessoa mais próxima que tinha de si até o momento. – Jojô. – Eu queria pegá-la e coloca-la no chão, mas não tive coragem de afastá-la naquele momento.

- Meu amor! – Joana tocou o rosto da criança que apoiou a cabeça em seu peito cansado. Se havia alguém sofrendo mais que todos ali, naquela hora seria Joana. Conhecendo-a como conhecia, devia estar pensando na vida da criança sem sua presença.

Uma vez havia sido picada por um animal peçonhento e enquanto era cuidada só procurava por mim. Eu tinha por volta de oito anos, e me lembro de ter passado a maior parte de sua convalescência em seu quarto, para que tivesse certeza de que estava tudo bem.

- Gael...

- Vou cuidar Joana.

- Amar... – Sussurrou. Eu prometeria qualquer coisa à ela, mas amar, não simplesmente dizer que vai e acontece.

Mesmo assim eu prometi. Prometi cuidar e amar, assim com ela cuidara e amara a mim mesmo.

- A ambulância chegou doutor... – E nem foi preciso anúncio. Os paramédicos entraram com meu amigo ao lado e dois minutos depois levavam a Joana pelo corredor. Só me dei conta de que minha promessa seria em vão quando ouvi os gritos da menina correndo atrás da maca.

- Jojô... Jojô. – Agora ela chorava, mas com máscara de oxigênio e outras parafernálias a Joana mal devia ouvi-la.

O Pedro foi quem a tomou nos braços e acalentou dizendo que a Jojô voltaria logo. E do alto da escada vi a ambulância partir.

- Preciso ir Pedro. Você fica com a garota.

- Óh "Seu" Gael, a Joana não permitia a gente ficar sozinho com a menina não. Dizia que a gente não sabia diferencia um potrinho de um bezerro.

- Mas não deve ser difícil não é homem? Dá um leite e um biscoito... – Quando eu pensei em dar mais algumas instruções, ouvimos um único soar da sirene da Ambulância, e o carro do meu amigo médico voltar, enquanto a ambulância parava. Ele deu a volta no velho lago e desceu do carro. – Sinto Muito Gael! – A única certeza que eu tinha, é que a Joana devia estar realizando seu maior desejo. Ela sempre dizia. "Eu quero morrer aqui". E não havia saído dos limites de Sant'Ana.

E eu decidi naquele instante. Ela seria velada ali e enterrada no cemitério da família. Ela sempre fora minha família mais próxima.

- Pê... Cadê Jojô? - Mesmo na ignorância da realidade o coração da criança não se enganava. Havia alguma coisa errada. Ela sabia, mesmo sem saber dizer o que era.

Dois anos... Dois benditos anos, em que elas só tinham uma à outra. E de repente...

Estendi meus braços e a tomei para mim.

- Vem aqui. A Jojô foi morar lá no céu. – Ela me olhava como se perguntasse o que é céu ou morar? Mas não disse nada apenas estendeu os braços novamente para o Pedro e chamando-o de "Pê" voltou a questionar...

- Cadê Jojô?

Mal sabia ela, que mais uma vez o destino havia nos pregado uma peça.


DNA - Um lar para KarolyneDove le storie prendono vita. Scoprilo ora