Capítulo 8 - Domingo 26 de março

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Domingo 26 de março 

No domingo, acordou com o telefone tocando, os olhos pesados e a preguiça denunciavam as muitas horas de sono. Com a voz rouca atendeu o telefone

— Desculpa Mari, acordei você.

Ela se sentou na cama e verificou as horas. Onze da manhã.

— Imagina, acho dormi demais. Você já voltou, Rafa? Conseguiu resolver tudo?

— Em partes. Mas estou ligando pra me desculpar. Deixei você na mão essa semana, e desmarquei o nosso jantar.

Mariana bocejou e deitou novamente.

— Rafa, eu te falei que tirasse o tempo que fosse preciso, lá na editora deu tudo certo, mas sinceramente conto com sua presença segunda, estou cheia de pepinos pra você. — brincou.

— Estarei lá antes de você, pode apostar — permaneceu em silêncio por um instante — Eu te devo um jantar, sou um bom pagador. Se importa que seja um almoço? Posso preparar um peixe, cozinhar e conversar um pouco vai me fazer bem, uma e meia aqui em casa está bom pra você?

Ela conferiu o relógio mais uma vez. Não tinha ânimo pra sair de casa, passaria o resto do domingo na cama, mas diante do sumiço de Rafael e de sua preocupação nos últimos dias resolveu aceitar o convite.

— Uma e quinze. Preciso levar alguma coisa?

— Não.

— Então eu levo um vinho, até daqui a pouco tarde Rafa.

***

Quando Mariana saiu do elevador carregando uma sacola com duas garrafas de Pinot Grigio, Rafael a esperava na porta do apartamento. Sua barba estava maior, assim como os seus cabelos. Isso lhe trazia um ar maduro, definitivamente ficava mais bonito.

Ela deu lhe um beijo no rosto e lhe entregou as garrafas.

— Falei que não precisava trazer nada.

— Fiquei com medo dos seus dotes culinários. Caso tudo dê errado, temos vinho.

— Está duvidando de mim? — a sua expressão pareceu suavizar intensificando os olhos verdes — Se eu te surpreender você assina a coluna e escreve o livro, certo?

— Você não vai esquecer dessa história? — enquanto conversavam sentaram no sofá preto da sala tipicamente masculina — Fui explorada durante toda a semana, sou cruelmente acordada numa monótona manhã de domingo e ainda tenho que pagar o almoço da maneira mais vil e cruel possível.

— Foi tudo bem por lá?

— Alguns contratempos, te passo tudo amanhã. Não me chamou aqui pra trabalhar né? E você? Está melhor?

Rafael se inclinou sobre os joelhos passando as mãos no rosto. Mariana tocou seu ombro.

— Poxa Rafa, desculpa. Quero te ajudar, não gosto de te ver assim, mas não sei o que fazer. Desculpa por estar sendo tão invasiva, mas... — olhou para baixo envergonhada.

— Não Mari. É porque é estranho —a confissão a deixou curiosa — Não estou acostumado com alguém se preocupando assim. Tem a minha irmã, mas é diferente. Acho que sabe como eu me sinto, somos casados com o nosso trabalho. E quando as coisas saem do controle, percebemos o quanto esse matrimônio é uma escolha difícil.

Mariana percebeu que o problema se referia a editora, mas deixou que ele falasse, não perguntaria novamente.

— Herdei o jornal, consegui ampliar, temos novos projetos, aos trancos e barrancos sobrevivendo a modernidade... Mas é vazio quando damos conta que vivemos pra isso, e se por algum motivo tudo acabar é como tivéssemos vivido em vão.

— Rafa, eu não sei o que está acontecendo. Mas não vai acabar, nós vamos lutar. Não vai ser nem o primeiro nem o ultimo problema que vamos ter, por mais difícil que pareça sempre tem uma solução.

— Você faz as coisas parecerem leve. Sempre determinada, confiante.

— Não sou sempre assim.

— Ninguém é. Mais do que ninguém sei o quanto é difícil certas escolhas. Isso que estamos tendo, uma conversa normal, sobre problemas, mesmo sem trata deles de forma direta... parou pensativo — faz falta ter alguém pra conversar. Alguém para nos ajudar a enxergar as coisas com um outro ponto de vista. — olhou pra cima por algum instante. —Desculpa.

— Por favor, continua. — ela tocou sua mão o encorajando.

Na verdade se identificava com cada palavra, ele traduzia alguns sentimentos que preferia esconder de si mesma.

— Não vou ficar te enchendo com meus desabafos.

— Rafa, nos conhecemos há cinco anos. Eu era uma menina quando entrei para ser sua estagiária. Eu aprendi e aprendo muito com você. Não sei quando, nem como mas acabamos nos tornando amigos também. Sei do que está falando, é difícil guiar o barco da própria vida, as vezes o barco vira. — parou quando percebeu que acariciava a mão dele — Quero poder te ajudar.

— Desde que você falou que éramos casados com o nosso trabalho eu fiquei pensando sobre isso. A sua relutância em escrever, a forma racional com quem enxerga as coisas. É estranho o que eu vou dizer, mas ali eu percebi que não estava sozinho. — Rafael se recostou no sofá — Mari, passamos de doze a quatorze horas por dia naquele jornal, vivemos e respiramos papeis, textos, pessoas. O que me motiva é a tradição, a família. Você nitidamente trabalha por paixão. Eu sei que não precisa trabalhar, e faz porque ama. E muitas vezes vejo que ama aquilo lá mais do que eu. — Mariana percebeu a mudança no timbre de sua voz. — Até onde vale a pena lutar? Tem horas que fica difícil carregar tudo nas costas. Eu sei que pareceu precipitado a sua promoção, sei que devia ter conversado com você antes, mas é da sua paixão que eu precisava, era da determinação e da suavidade que você conduz o barco.

Rafael se levantou para servir o vinho.

— Estamos com problemas. Prestes a perder um grande financiador. As coisas não são tão bonitas quanto parecem. Não quero te contar agora. Mas o jornal está em risco. A minha e a sua vida podem se tornar vazias a qualquer momento. — lhe entregou uma taça e sentou ao seu lado novamente. — É justo que você saiba.

Não é o que esperava ouvir. Naquele momento conseguiu entender toda a angustia do chefe.

— Não vamos jogar a toalha. Sempre tem um jeito, Rafa. — tentava lhe confortar, mas na verdade estava confortando a si mesmo — Vamos trabalhar junto nisso, você não está sozinho. Tenho alguma experiência em custos, já trabalhei na fazenda durante um ano com meu pai, ele é linha dura. Podemos fazer cortes, pensar em soluções. Só por favor, não desista. — implorou tocando seu rosto — Não vai ser a primeira crise que o jornal enfrenta, agora ele é uma editora. Podemos recuar para avançar depois. O mais importante é não desistir, e se tudo der errado, ficamos viúvos juntos, mas com a certeza que fizemos tudo que pudemos.

Rafael a abraçou. Podia jurar que ele estava emocionado. Mas não conseguia vê-lo. Talvez era a sua própria emoção, seu medo e desespero. Mas precisava lutar e lutaria.


Nahra Mestre

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