Capítulo 3

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A música voltou a tocar, ou pelo menos Lena conseguiu voltar a ouvir, mas embora a audição tenha voltado, ela percebeu que havia perdido a capacidade de falar. Sorriu pra ele.

- Eu acho que te vi num bloco hoje. Você era um unicórnio?

Ele lembrava, lógico. Ninguém encara outra pessoa daquele jeito e depois esquece tão rápido. Lena passou​ a mão pelos cabelos e sorriu novamente, tinha voltado a ser ela mesma.

- Os unicórnios não são mais raros como antes, hoje já vi uns dez. Tem certeza que era eu?

Ele mostrou a covinha antes de responder - você me olhou com esse ar de desafio igual tá me olhando agora, com certeza era você.

Ela chegou mais perto pra que ele escutasse - mas você não quis encarar o desafio. Mudou de ideia?

- Eu tava muito bêbado pra saber o que é bom pra mim, mas ganhei uma segunda chance.

- Ganhou? - por dentro o coração dela parecia uma bateria de escola de samba, mas por fora ela era o retrato da indiferença.

- Qual é o seu nome?

- Helena.

- Quê? A música...

- Helena! E o seu?

- Rodrigo.

- Prazer, Rodrigo - e estendeu a mão para ele. Devia estar corada por essa atitude idiota, mas ele não pareceu estranhar, apertou sua mão e segurou por dois segundos a mais do que o necessário olhando em seus olhos. Os dele eram castanhos como os dela, mas brilhavam com a luzes do lugar.

Os drinks ficaram prontos e finalmente eles pararam de se tocar, Lena ainda tinha a sensação dele na sua mão. Ela pegou as bebidas e levantou os ombros como uma desculpa - parece que não é uma segunda chance, não é? - piscou pra ele e saiu do bar. A meio caminho das amigas, olhou para trás para ver se ele tinha entendido a deixa, não havia ninguém além das pessoas dançando e se agarrando de antes. Deve ter desistido, pensou.

- O que foi? - Maria perguntou.

- Nada. - tomou um grande gole da caipirinha, entregou para a amiga e começou a se mexer no ritmo irresistível da música.

Ao se virar pra dançar com  Vivi, ela o viu. O garoto tatuado, quer dizer, Rodrigo estava vindo em sua direção com um um sorriso que parecia muito com "sou um idiota, demorei a perceber" e vinha decidido. Ao chegar onde elas estavam, ele não parecia ver ninguém além de Lena, que agora dançava pra ele. Rodrigo pegou sua mão e a puxou para si com determinação, seus olhos mostravam desejo quando ela o encarou por um segundo antes de ele a beijar com tanta vontade que os dentes dos dois se chocaram levemente. Lena sentiu o gosto de álcool e bala de menta em sua boca, os lábios tão macios dele nos seus, uma mão dele segurava sua cintura e a outra, o cabelo dela, como se o garoto atendesse a um desejo de sentir a textura daqueles fios. Ela chegou mais perto, colando seu corpo no dele, parecia que nunca estaria perto o suficiente. O corpo de Lena estava ao mesmo tempo ciente daquele outro corpo tão junto ao dela, e também totalmente fora da realidade, como se o momento acontecesse só na cabeça dela.  Ela sentiu aquele sorriso nascer na boca dele antes de ver, quando ele parou de beijá-la, seu rosto agora entre as mãos dele, queimando. Ela quase soltou um gemido de protesto por ele estar a mais de dez centímetros dela, mas antes que ela pudesse reclamar ou tomar uma atitude, ele encostou a testa na dela, a olhou nos olhos, e seus lábios se encontraram novamente.

Aos poucos começou a chegar até os ouvidos de Lena um barulho que não era música. Eram vozes alteradas, pessoas gritando. Ela olhou ao redor, um grupo de pessoas se reunia em volta de dois caras brigando. Briga de bêbados. Na mesma hora ela procurou pelas amigas, um gesto de proteção que elas tinham: nunca deixar ninguém pra trás. Elas estavam bem ali, também alertas para a confusão. Sentiu um aperto na mão e seguiu com os olhos a mão que a segurava. Rodrigo também estava alerta e a queria por perto. O grupo de espectadores da briga se afastou e se expandiu conforme os amigos dos bêbados chegavam para ajudar e as coisas ficaram ainda mais agitadas. Vivi gritou acima das vozes e da música para que elas fossem embora. Elas concordaram com a cabeça e foram para a saída, Lena dividida entre evitar se machucar e deixar pra trás seu tatuado, que vinha atrás dela sem questionar. Ele disse em seu ouvido que precisava achar os amigos, mas depois de olhar o tumulto e ver que mais pessoas estavam se envolvendo - onde estavam os seguranças? - ele decidiu ir também.

Do lado de fora a noite estava movimentada e o ar pesado de umidade. As meninas pararam a alguns metros da saída só por precaução e falavam sem parar sobre a briga e a dimensão que tomou. O coração de Lena mais uma vez estava disparado, agora pelo medo. Rodrigo digitava no celular, provavelmente procurando os amigos.

- Eles estão bem?

- Não sei ainda, ninguém respondeu.

- A gente vai esperar aqui até você achar eles.

- Os caras são tão loucos que é capaz de estarem no meio da porrada.

Na saída da casa onde acontecia a festa agora se ouviam vozes, provavelmente os seguranças botando os briguentos pra fora. Rodrigo olhou para o celular que vibrava. - Eles vão continuar lá dentro, mas estão bem. Querem que eu volte.

- Ah. - Lena não conseguiu esconder a decepção.

- Ei. Eu não vou voltar. Vou ficar com vocês, tá muito tarde pra andar por aí sozinhas. A não ser que você não queira.

- Claro que eu quero. Que mulher vai negar a companhia de um macho alfa que vai protegê-la de todo o mal do mundo?

- Ai, essa doeu - ele riu mostrando a covinha na bochecha.

- Tô brincando. Eu quero que você venha, ainda tem muita noite pela frente.

- Essa festa tava muito xoxa mesmo, vamos pra um bar que toque samba - Tata abraçou Lena pela cintura convidando os dois para a discussão.

- Ah, samba não, será que a gente acha um karaokê hoje? - perguntou Vivi. Todas já sabiam que não prestava ir com ela nesses lugares, a amiga ficava bêbada, cantava músicas deprimentes e chorava por qualquer motivo.

- Nada de karaokê pra senhorita - respondeu Maria, dando um tapa na bunda da outra - Vamos manter o astral bem alto, por favor. É carnaval!

Caminharam checando os bares, todos cheios de turista e com repertório musical variado. Rodrigo segurava a mão de Lena desde que saíram da festa, ela se constrangia com a normalidade daquele gesto, ele não parecia ligar que tivessem acabado de se conhecer. Quase não falaram nada, a não ser quando ele perguntava sobre uma rua ou lugar e ela respondia com os olhos baixos. Toda desinibição da festa tinha sumido para os dois.

- Ô turista, você é de onde? - Vivi gritou pois os dois estavam afastados das meninas. Elas pararam para esperar.

- São Paulo.
- Um paulissssta.... - ela estendeu o "s" imitando o sotaque que a gente sempre vê na TV - tá gostando do carnaval do Rio?

Ele sorriu e fez que sim com a cabeça -  Aqui é muito louco. Ainda nem dormi desde que a gente chegou.
- É assim que tem que ser. Bate aqui. - e Rodrigo bateu o punho fechado no dela. - Aproveita que a Lena é a maior foliã que você respeita. Ela vai cansar você.
Ele olhou para Lena, sua expressão era divertida e maliciosa - Essa canseira eu quero.

Lena riu com gosto, mas não respondeu. Sua cabeça erguida e olhos decididos disfarçando que por dentro ela estava nervosa por estar perto dele. Mas ela sempre foi boa em disfarçar essas coisas. Se virou para ele.

- O que você faz em São Paulo? Estuda?

- Não. Eu jogo Counter Strike.

- Aquele jogo de tiro?

- É

- Tá, mas fora isso. Você trabalha...

Ele riu como se já estivesse acostumado com a pergunta - eu faço isso. Eu jogo como profissional. Pode procurar, Team BR.

- Uau, isso é... diferente. Então você quer dizer que realmente ganha dinheiro atirando nos bonequinhos?

- Ganho. E tô um pouco ofendido pela sua definição da minha profissão.

- Ah, desculpa. Desculpa mesmo. Eu só não tô por dentro desse ramo de atividade - ela se virou para ele com os olhos arregalados - é sério, respeito, só preciso conhecer melhor isso aí.

- Eu tô brincando. Todo mundo reage assim.

- Que bom saber que eu sou igual a todo mundo. Inspirador...

- Você não é. Nem um pouco - ele pegou a mão da garota e a puxou para um beijo.

- Ei, casal! Pode ser aquele bar ali? - Vivi perguntou.

Eles concordaram sem prestar atenção e seguiram atrás das meninas. Parecia incrível que aquele dia estivesse sendo tão intenso e Lena sentia que ainda tinha mais pra acontecer.

Gamer - amor em jogoWhere stories live. Discover now