Um ano se passara desde sua estreia no ramo literário, e mesmo assim era chamada para dar palestras e noites de autógrafos pelo país e fora dele. Algo que já estava lhe cansando. Naquela noite, muito perto de sua casa, posando para fotos com os fãs, tomou a sua última decisão sobre o assunto.

               — Tem certeza de que é isso que quer? — Diego lhe olhava direto nos olhos, mostrando todo o seu apoio independente da decisão que tomaria, porque era isso que ele era, o seu companheiro nos momentos bons e nos ruins.

— Absoluta, Diego. Já passou da hora de dar paz para esse homem.

— Fico muito feliz com a sua decisão.

— Ele vai poder se fundir com tudo que mais amou nessa vida, e de certa forma o terei também aqui dentro de mim.

— Meu amor! Você o tem dentro de você. Ele é você. Ela é você. Os dois juntos te fizeram e eu sou muito grato a eles por terem se amado. Criaram essa pessoa especial, lutadora e determinada. Acredito que ambos estão lá em cima, abraçados, te olhando com carinho.

O sol ainda os brindava naquele dia de doação. Os funcionários do Recanto das Corujas deixaram a garota e o marido sozinhos. O local era aquele. Perto das grandes três árvores de carvalho que estavam ali desde muito antes dos colonizadores chegarem. Diego deixou que ela caminhasse em direção à colina, sozinha. Encostou suas costas contra a cerca pintada de branco. Alguns cavalos chegaram próximos. Diego acarinhou a crina de um deles sem tirar os olhos da sua amada.

Maria seguia sua caminhada com a urna que continha as cinzas de Ethan pressionada contra o seu corpo. Sentiu novamente o único abraço que recebeu daquele homem. Lágrimas teimosas rolaram por sua face. Não podia simplesmente chegar ali e jogar o que restou daquele homem contra o vento. Sentou entre aquelas árvores e as palavras que ele disse voltaram em sua mente:

— Fugíamos, Peter e eu, para o pé daquelas árvores e ali teríamos o nosso momento pai e filho. Caroline quase não nos dava espaço. Peter nunca teria vocação em montaria. Puxou para ela. Mas ele gostava de contar histórias, como eu. Então, ali, esperando o dia ir embora, ele viajava em sua criatividade enrolado em meus braços. Acredito que nossas gargalhadas chegavam até aos ouvidos da mãe...

Essa lembrança sempre lhe causava inveja, afinal o contato que teve com ele sempre fora limitado por uma mesa de metal e algemas apertadas. Sem falar no medo e na repulsa que lhe dominou a maior parte do tempo em que respiraram o mesmo ar.

— Desculpe-me! Eu teria amado ficar assim com você. Como ela também amou — sem perceber, conversava com ele depositado em seu colo. Fechou os olhos novamente e a voz doce retornou para seus ouvidos:

— Gabriela gostava tanto de ficar entre aquelas árvores que, se pudesse, dormiria e acordaria com os pássaros lhe beijando o rosto. Muitas vezes tive de levá-la de volta para casa presa em meus ombros. Ela era tão pequena... Uma mulher linda e gentil...

Maria abraçou com mais força aquele objeto que mantinha Ethan ainda próximo de sua realidade. Ela devia, mas não queria. O momento já havia passado. Levantou sem muito esforço. O sol começava a ficar cedente. Estava indo atrás de seu descanso, abrindo espaço para a Lua iluminar aqueles campos verdejantes. Maria teve seu momento no lugar favorito de Ethan, e assim o soltou. As cinzas fizeram um arco sobre sua cabeça e o vento, antes tímido, resolveu se exibir e levou o homem bom para todos os lados. Estava espalhado para a eternidade.

Voltar ao Recanto das Corujas sempre era difícil para aquela menina. Mas aos poucos conseguiu se permitir desfrutar daquele lugar e das pessoas que ainda o compunham. Sentia que devia a elas. Aquele era o ganha-pão de diversas pessoas e Ethan ficaria contente se uma pessoa de seu sangue desfrutasse daquilo que lutou tanto para conseguir e não pôde usufruir. Maria tentaria. Soube das histórias que agora eram contadas sem medo de serem mal interpretadas. Conheceu também melhor Gabriela, a mãe que a tia escondeu. Tia Rosa falava abertamente da irmã mais velha com saudades e respeito. Maria gostou daquilo e um dia levou os tios para conhecerem o lugar em que a mãe fora feliz, mesmo que por pouco tempo.

E nos dias em que o coração apertava, corria pegar a caixa dentro do baú de Diego e de lá resgatava as fitas com o áudio de Ethan. Algo que sempre a fascinou: a maciez de sua voz. Muitas vezes se sentiu envergonhada por ter pensado que ele fosse um ser das trevas que disfarçava sua asquerosa voz com aquele tom acolhedor. Nesses momentos, escutando o pai falar sobre sua vida, sentia-se conectada. Sentia seu sangue locomover em suas veias de forma diferente. Apertava o play e se teletransportava para aquela sala rude em que o conheceu. Em que se uniram. Ele estava ali, diante de seus olhos mais uma vez.

— Meu pai se chamava Noah e minha mãe Mary...

— Interessante. Praticamente o mesmo nome que o meu.

— Sim. Exatamente como o seu.

Fim.


Últimos Dias [COMPLETO]Where stories live. Discover now