Capítulo 7

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     Michael Walters andava preocupado. Chegou a relatar sua aflição com outro colega sobre o comportamento esquisito do prisioneiro 0000989345, mais conhecido pela mídia e dentro daquelas paredes de concreto cinza fedendo a mofo como Silencioso. Avaliou que essas mudanças nada sutis começaram a acontecer quando iniciaram as visitas da repórter.

O homem no final do corredor da ala esquerda nunca foi muito comunicativo, mas sempre se mostrou calmo e sereno. Ultimamente, andava agitado. Ficava em sua cela andando por horas em círculo. Aquilo preocupava o carcereiro. Desde que fora para o corredor da morte, a de Ethan Lewis seria a sua primeira execução. Por esse motivo, não sabia mensurar se aquele comportamento era ou não o esperado por quem estava com os dias contados.

— Sabia que muitos se suicidam antes? Talvez seja a forma que encontram de dar um tapa na cara da justiça e dizer: "Eu sou o dono do meu destino" — o colega mais velho de Walters na função argumentava entre uma mordida e outra em sua rosquinha.

Walters torceu o nariz. Não gostaria que seu ídolo da juventude fizesse tal coisa. Desejou poder ficar ali para vigiar e impedir se chegasse a esse extremo. De outro lado, pensou que de qualquer maneira a vida lhe seria arrancada. Matá-lo seria o certo e suicídio seria errado? Pelo ponto de vista de alguém religioso, o suicídio levaria direto para o inferno, sem direito ao perdão. Mas ele ter tirado a vida de outra pessoa também não faz com que ele tenha o mesmo destino? Segundo estava acostumado a ouvir, contanto que a pessoa demonstrasse arrependimento, não.

Havia muitas contradições, muitos questionamentos e pouco tempo para que fossem explicados ou mesmo entendidos por Michael. Apenas seguiu com sua vigília a maior parte do tempo que dispunha. Porém, Ethan não queria conversa. Estava mergulhado em seus pensamentos mais profundos. Mexer no passado estava lhe devolvendo sensações que ficaram adormecidas desde o primeiro dia que deixou de ser Ethan Lewis e se tornou 0000989345.



       O dia estava agradável naquela manhã. Começo de outono, a temperatura alta do verão começava a dar espaço para o frescor vindo do norte. As mudanças nas paisagens ainda eram sutis. O verde logo daria espaço para o laranja, porém ainda imperava. O homem, a partir daquele momento, não poderia mais observar essas mudanças que toda uma nova estação traz. Agora tudo seria cinza-escuro. Sabendo disso, aproveitava ao máximo aquelas imagens que passavam rápidas por sua retina. Um sacolejar e outro do ônibus tirava momentaneamente a sua atenção da estrada. As algemas geladas em volta de seu pulso e tornozelos começavam a incomodar. Agora o que mais lhe deixaria atento seriam as conversas, mesmo que sussurradas, dos outros homens confinados com ele naquele metal enferrujado sobre rodas.

O oficial que acompanhava o motorista do outro lado da grade levantou, ajeitando suas vestes. A barriga proeminente fazia com que suas calças caíssem e assim tinha que levantá-las toda vez que ficava em pé. O gesto era mecânico para o homem, indicando que repetia há muito tempo. Bateu na grade com seu cassetete informando que estavam chegando. Ethan ajeitou-se no assento, tentando disfarçar seu nervosismo. Talvez fosse medo. Escutou algo como "carne fresca". Soube que era dele que os outros homens falavam. Um tipo tatuado da cabeça aos pés estava sentado no banco do outro lado do corredor com seus olhos cravados em Ethan.

— Tu és a porra do campeão de rodeios que matou a garota mexicana?

O homem perguntou assim que Ethan pousou seus olhos nele. Não soube dizer se aquela pergunta era para confirmar algo já sabido ou uma ameaça, já que o rapaz tinha a aparência de um imigrante mexicano, assim como a grande maioria dos ocupantes do ônibus. Apenas ele e um afro-americano destoavam dos demais. Não houve tempo para respostas. A parada foi abrupta. Seu corpo fora jogado para frente e novamente para trás. O oficial dava as instruções e rapidamente a fila havia se formado. Ethan seguia na frente com o rapaz tatuado respirando sobre seu ombro. A aproximação era tamanha, que conseguia sentir o cheiro de seu hálito. Seu estômago embrulhou. O sinal foi dado e seguiram a caminhar.

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