Capítulo 7 parte 2

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Asia perdeu as provas para ingressar na faculdade, no final do ano, então, se preparava para as próximas estudando em casa e fazendo um curso pré-vestibular.

Como se encontrava, agora, sozinha, suas prioridades seguiam seu estado emocional. Não se alimentava nas horas certas, comendo qualquer coisa quando sentia fome. Dormia tarde e acordava cedo para as aulas, sentindo sono no período da tarde quando estudava sozinha. Estava sempre negociando consigo mesma e sempre quebrava as próprias regras. Quando cansava de estudar, saia para caminhar pelas ruas do bairro prestando atenção em quem passava por ela. Como mantinha certa distância de todas as pessoas com quem convivia, ia a poucas festas ou passeios com ex-colegas de escola.

Ela não deixou de cuidar da aparência, apesar da falta de entusiasmo que passou a dominar sua vida. Asia sempre foi vaidosa, sabia que era bonita, ouvia, com frequência, elogios de todos que conhecia. Nunca chegou a usar as joias que sua mãe havia lhe deixado, cuidava delas com carinho e saudades, e tinha esperanças de um dia rever seus pais. Às vezes, colocava os brincos de pérola em forma de gota que tanto vira sua mãe usar e examinava-se diante do espelho, questionando se era parecida com ela. Erine não deixou nenhuma foto, então, tinha que contar com a sua memória e com a opinião de Yeda, que sempre concordou com ela. Sentia-se só e imaginava essa fase de sua vida como um período de espera, um estágio até encontrar os amigos fieis que sua mãe mencionou. Pensava no rapaz, seu destino, tomava o cuidado de sempre estar arrumada para o profético encontro; mas apenas o encontro interessava a ela, qualquer coisa diferente seria descartada.

Então, durante este período, Asia esperou encontrar o rapaz de seus sonhos quase como quem espera por um presente de Natal; uma sensação semelhante à que sentia quando, chegando o final de ano, sabia que sua mãe faria uma surpresa com um presente para alegrá-la e ela mal podia conter sua expectativa. Algo que Yeda, mesmo sendo judia, passou a fazer quando Erine partiu. Asia imaginava que, encontrando o rapaz, ele a levaria para junto dos seres que eram como ela, para o mundo ao qual ela sabia que pertencia e, assim, como em um conto de fadas, sua vida tomaria um novo rumo e seria mais feliz e completa.

Nos dois últimos meses, passou a sentir-se estranha, não tinha muita segurança em seus movimentos e durante o dia sentia-se atordoada, enjoada e sem muito equilíbrio. Acabou atribuindo isso à sua vida desorganizada, prometendo a si própria colocar mais disciplina em suas atividades. Os sonhos que tinha desde seus quinze anos se tornaram mais frequentes. Via-se mais velha, com cabelos mais longos e em um lugar coberto por neve. O seu rapaz de sempre estava lá, presente, ao seu lado, e Asia sentia-se feliz. Ela podia ver o seu rosto muito bem e falava com ele como se o conhecesse há muito tempo. Havia outras pessoas no sonho, um homem grande que estava distante, uma criança que corria brincando com um cachorro e uma moça com longos cabelos ruivos. A moça ruiva falava com ela sem parar, mas Asia não ouvia o que ela dizia, por mais que prestasse atenção, não conseguia entender o que ela queria. Seus sonhos nunca eram muito nítidos, ela nunca podia entender bem o que se passava, como se uma névoa se espalhasse sobre ele. Só o rapaz ela podia ver com clareza, e era, na verdade, só o que interessava a ela.

Em um dado momento do sonho, o rapaz correu e se afastou dela, apanhou e levantou em seus braços o pequeno menino loirinho que havia corrido para longe. Em seguida, ele retornou para ela, havia erguido o menino na altura dos ombros, olhando para ele sorrindo, e depois virava o rosto para Asia, preservando a fisionomia alegre e o sorriso de que ela tanto gostava.

Sua amiga continuava a falar e ria muito ao seu lado, mas Asia não prestava atenção nela, observava o rapaz bonito que a fazia se sentir feliz. A moça ruiva corria e tirava o menino dos braços dele, o colocava no chão e corria brincando com a criança. O rapaz seguia para perto dela, pegava sua mão e a puxava para junto dele. Asia sentia-se acolhida e feliz, queria ficar ali, abraçada a ele. Estava segura, era tudo muito reconfortante, ela sentia que era parte do mundo dele e podia confiar que não teria de partir novamente. Ela pertencia àquilo tudo, era o seu mundo e as pessoas ali eram como ela.

Nemtsi e Selvagens - As almas cativasWhere stories live. Discover now