Cap. 38: Chuva De Emoções

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Tentei levá-la na direção que apontava, mas ela ficou parada exatamente no mesmo lugar.

- Não quero. - respondeu.

Sua voz chegou a falhar, de tanto que rangia os dentes.

- Por que não?! - perguntei, incrédulo - oras, Alessa! Vá logo!

Comecei a ficar irritado, mas era de preocupação.

- Não quero. - apertou as mãos com mais força - Não posso voltar para lá agora.

Encarei-a. Tinha algo muito, muito errado, para ela não ter coragem de voltar para o próprio quarto. Percebi o quão inclinada em direção da porta estava, no centro de uma corrente de vento.

- Então vamos a outro lugar. - sussurrei, as sobrancelhas franzidas por causa de sua atitude - venha.

Com as pernas frágeis, Alessa deu um passo hesitante. Seus joelhos bambearam levemente, demonstrando o quão fraca estava.

De repente, tomei uma decisão, e a pus em prática: me abaixei rapidamente e a peguei no colo.

Seu único manifesto foi um sobressalto de susto, mas de resto, continuou muda. Ela apenas aguardou, enquanto a carregava para o estúdio.

- Você não deveria ter ido de vestido em um dia assim. Sabe quão fácil é ficar doente em nossa... situação. - murmurei, tentando me distrair enquanto carregava seu corpo (leve demais, ultimamente) e descia pelas passarelas. Ela não retrucou, como sempre fazia.

Andei apressadamente até a porta enoldurada, abri-a e coloquei Alessa em cima da mesa de madeira, antes de acender as luzes. Depois, voltei para apertar o interruptor e fechar a entrada.

- Você precisa se secar. - murmurei, me abaixando para pegar uma toalha (eu a usava para limpar o rosto, quando me sujava tinta).

O pano estava manchado de diversas cores, mas havia sido lavado recentemente, liberando um cheiro de amaciante. Zilá (a velha senhora que cuidava de mim) sempre se esforçava, apesar de reclamar de tudo. Andei até Alessa, entregando a toalha para suas mãos trêmulas.

Porém, minha musa não secou-se com o tecido. Ela, na verdade, cobriu os próprios ombros, para aquecer-se.

- Você vai virar um cubo de gelo, se continuar assim. - falei, pegando as pontas da toalha para secar seus braços - por favor, poderia ir para seu quarto?

Continuou em um silêncio sepulcral.

Alessa descobriu um dos braços, e ergueu a manga do vestido. Então, de repente, começou a desenrolar as ataduras de onde estava sua marca.

- Ei! - exclamei, tentando impedi-la - o que está fazendo?

Ela continuou, até que toda a gase estivesse espalhada por seu colo, e o ombro esquerdo, livre. Encarou fixamente a cicatriz avermelhada e quase totalmente fechada que destacava-se ali.

Apesar de a pele na região ainda estar meio arroxeada, não havia mais sangue. O resultado, enfim, era uma grande e dolorosa marca: um "S" elegante, cheio de curvas apesar da maneira como havia sido feito, e um "P" atravessado por uma barra, que também significava "A".

Pude ver a maneira como os últimos resquícios de cor sumiram de suas bochechas. Ela estava em choque, mesmo sem demonstrar. Notei também a vermelhidão em seus olhos, entendendo que ela havia chorado recentemente, e que não queria fazê-lo novamente.

Então, sem mais nem menos, cobri seu ombro com a toalha novamente, fazendo-a encarar-me nos olhos.

- O que está acontecendo com você? - perguntei, incrédulo - por que não fala nada?!

Ela apenas continuou estática, até tomar iniciativa suficiente para dizer uma simples frase:

- A Sociedade matou minha mãe. - e foi como um tapa na cara.

Como pude ter sido tão idiota? Eu havia sido grosso com alguém que estava desmontando por dentro.

Tudo o que consegui fazer foi abraçá-la. Abraçá-la, para que não se sentisse sozinha.

Aguardei enquanto agarrou minha camiseta, enterrou o rosto ali e gritou, gritou sem resistir a chorar novamente.

- Covardes! Demônios! Monstros! - berrou, a voz trêmula e abafada. Suas lágrimas começaram a molhar minha camiseta, mas não liguei. Apenas a apertei com mais força - Assassinos miseráveis!

Alessa encravou os dedos em minha roupa, soluçando e fazendo todo o seu corpo tremer.

- Normalmente eu diria sinto muito. - sussurrei, sem ter certeza de que estava ouvindo - mas não adianta. Nunca adianta.

Como resposta, gritou novamente:

- Eu cansei de sofrer! Não quero mais chorar! Mas ninguém se importa com a dor que sentimos! Ninguém! - berrou. Precisei torcer para que nenhuma pessoa estivesse no corredor.

Minhas mãos subiram para seus ombros e cabeça, em uma tentativa de conforto.

- Você não está sozinha. - retruquei.

De repente, ela se afastou de mim, o rosto repleto de fúria e mágoa.

- Como pode dizer isso?! - gritou, indignada - Você sabe que nada está bem!!! No fundo, nem sequer se importa!!!

Dei um passo para trás. Foi minha vez de ficar irritado.

- Como ousa dizer isso?! Eu estou te ajudando!!! Acha que não me importo, depois de tudo?!

- Eu não sou nada para você, ou sou?! - passou a descontar seus problemas em mim - Por que me ajudou?! Eu nunca entendi!!!

- Porque eu também sou um ser humano, droga!!! - gritei - e pare de falar besteira, como se fosse odiada por todos!!!

- Cala a boca!!! Não quero mais mentiras!!! ADMITA LOGO QUE ME ODEIA TAMBÉM!!!

No fim, não aguentei e explodi:

- MI PIACI, DANNAZIONE!!!

Então, percebi o que havia dito.

Minha ira sumiu subitamente, dando lugar à bola de neve de emoções, que deslizava colina abaixo. Droga!!! Por que eu disse aquilo?!

Alessa parou de gritar, e seu queixo caiu.

Já era tarde demais para voltar atrás.




MI PIACI, DANNAZIONE!!! = EU GOSTO DE VOCÊ, PORRA!!!

(N/A: "dannazione" possui vários significados, mas é um palavrão)



Oi gente!!! Sentimentos confusos os dos nossos personagens? Com certeza, mas faz parte de sua recuperação.

Espero que estejam gostando.

Bjsss!!!
















Porcelana - A Sociedade Secreta (Completo)Where stories live. Discover now