Capítulo 11

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Vida

Abri os olhos sem reconhecer onde estava. Lentamente as lembranças daquele começo de noite vieram à minha cabeça. Realmente tudo aquilo acontecera? Minha clínica invadida, tiros, sangue e a volta do meu salvador misterioso.

Agora ele tinha um nome. Alexander Burton. Um nome forte. Se ele estava em seu destino para salvá-la, por que tivera tanto medo dele? E qual era a trama que resultara naquela noite tão movimentada e tão trágica para ela?

Levantei-me e sai do quarto. Desci as escadas e a sala estava deserta.

- Senhor Burton? Olá?

Um homem negro saiu de uma das salas. Recuei assustada.

- Senhorita. Sou o agente designado para protege-la na ausência do senhor Burton.

- Ah sim. Ele... ele vai demorar?

- Talvez senhorita. Mas ele me instruiu para dizer-lhe que há comida na cozinha, caso a senhorita tenha fome e que por favor fique à vontade.

- Ah, sim. Obrigada. Estou um pouco de fome mesmo. – virei-me para sair, mas uma ideia me ocorreu. – Er... você não quer me acompanhar, senhor...

- Março, senhorita.

- Março? Como o mês?

- Sim senhorita. É o meu codinome. – ele parecia uma estátua. Ou aqueles soldados do Palácio de Buckingham.

- Quer dizer que existe um Fevereiro e um Abril? – dei uma risada. – Ah! Por favor, me desculpa. Eu não estou raciocinando bem.

- É compreensivel senhorita. – sua expressão não se modificou em nada. Puxa vida, ele era uma pessoa ou um robô?

Andei pela sala sem objetivo. Vi as prateleiras cheias de livros. A Arte da Guerra estava lado a lado com Cem Anos de Solidão. O senhor Burton tinha um gosto eclético. Percorri um corredor que parecia levar aos fundos daquela residência tão incomum quanto seu proprietário. Ao passar por uma porta, me vi olhando para uma academia completa. E quando eu digo completa, é porque ela tinha além dos aparelhos, um ringue de boxe e uma parede espelhada como a de uma academia de dança. Para que ele precisaria de algo assim, perguntei-me.

É claro que a dançarina em mim não perderia essa oportunidade. Vi em uma mesa um aparelho de som. Tinha uma estação de rádio que eu sempre acompanhava. Talvez eu pudesse... movi o dial a procura da estação. Logo comecei a ouvir Bailando  de Enrique Iglesias. E meu corpo começou a se mover ao som da melodia.

Dançar sempre me ajudava a lidar com pensamentos e emoções. Se eu tinha algo a resolver, a dança sempre me ajudava a pensar numa solução.

Deixei me levar e logo estava rodopiando. O vestido leve ondulando ao redor de mim. Meus braços, minha cabeça, meus quadris movendo-se fluidamente.

Quando a música acabou, minha respiração estava ofegante e minha alma leve. Agora estava preparada para qualquer coisa. Exceto para o homem, que encostado ao batente da porta, de braços cruzados sobre o peito me observava com olhos famintos.

- Você estava aí a muito tempo? - Fui até o rádio e o desliguei.

- Humm. O suficiente para apreciar o espetáculo.

- Me espionando...

- Cuidando.

- Espionar os outros e feio sabia.

- Invadir a privacidade alheia também.

- Mas foi você quem disse que eu podia ficar à vontade.

Ele pensou em minha resposta e acenou com a cabeça.

- Touche, senhorita. - sorri feliz com a vitória sobre ele. - E realmente foi um deleite observa-la. Você dança muito bem.

- Eu tenho que dançar. Afinal é meu ganha pão.

- Achei que seu ganha pão era a clínica.

- Bem, digamos que a clínica responde por 60 por cento do meu orçamento. Os shows me ajudam a me manter sem sustos.

- Sei... e quanto é? - ele perguntou.

- Quanto é o que?

- Um show.

- Não sei. Ian é quem cuida dessa parte.

- E ele te paga justamente?

Olhei para ele ofendida.

- É claro. Apesar de todos pensarem que os ciganos são enganadores ou trapaceiros, nos não somos. Ian é um líder muito justo.

- Fico feliz de saber. - ele segurou em minha mão e disse: Passei no hospital e sua amiga está bem. Falei com ela e disse que você estava segura.

- Kylie está bem?! Que maravilha. -  tomada pela euforia o abracei.

Ao me afastar um pouco nós nos olhamos e o tempo pareceu parar. Ele colocou as mãos em minha cintura e me puxou para si. Sem dizer uma só palavra baixou sua cabeça na minha direção e tomou posse dos meus lábios.

Sua boca era suave e exigente ao mesmo tempo. Seus dentes capturaram meus lábios provocando-me. Seu hálito cheirava levemente a uísque e me embriagava assim como o perfume único de homem misturado a uma essência cítrica.

Suas mãos circundavam minha cintura me queimando através do tecido. Nossos corpos moviam-se lentamente ao som de uma melodia invisível que nada mais era do que o desejo que nos invadia. Uma atração nascida desde o primeiro olhar.

Separei-me tão ofegante quanto ele. O insensato desejo de pertencer a ele me arrepiava a pele. Mas como um balde de agua fria, ele segurou-me pelos braços afastando-me mais ainda.

- Não posso querê-la... mas não consigo parar! – juntando ação às palavras ele me puxou novamente para si arrebatando meus lábios em um novo beijo ardente.

Me soltou quase que imediatamente. Oscilei.

- Por favor vá! Eu não posso sequer pensar em... – ele me virou às costas, apertando o punho se tentasse controlar uma emoção. Raiva talvez?

Assustada, eu recuei. Por alguns minutos o silêncio foi absoluto. Meu coração batia descompassado. Nunca fora beijada daquela forma selvagem. Todo meu corpo tremia.

Ele finalmente se virou e pude ver o desejo em seus olhos.

- Você é uma mulher encantadora. Mas eu não posso sequer ter o pensamento de...

- Não se preocupe com isso. Hoje não está sendo uma noite comum. Atitudes impensadas são de se esperar. – fiz uma pausa. - Que horas sairemos amanhã?

Se ele ficou aliviado por minhas palavras não demonstrou. O que ele esperava?! Que eu me debulhasse em lágrimas como uma pobre criatura carente? Iria chover no inferno se isso acontecesse.

- Amanhã bem cedo. Eu a chamarei. Penso que não haverá problema em passarmos em sua casa para pegar algumas roupas para você.

- Sim. Eu estarei de pé. Boa noite senhor. – Saí sem olhar para trás. Queria sair dali o mais rápido possível, porque talvez o diabo precisasse de um guarda-chuva dali alguns minutos.

A Condessa CiganaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora