CAPÍTULO 2: ABSURDOS

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Do lado de fora do salão, gotas finas marcavam as janelas, anunciando uma tempestade que logo chegaria. Respirei fundo. Havia tensão entre nós, uma tensão que Raio parecia querer negar.

Havia uma hora desde que, enfim, havíamos chegado. Meu diploma jazia na mesa, frio e estático, exatamente como o meu corpo pareceria para alguém que me olhasse à distância. Encarando o papel amarelo, pensei no que ocorrera do lado de fora, no modo que aquilo havia se transformado, infelizmente, em assunto e fofoca na festa, um material rico para os adolescentes que não sabiam para o que olhar. Peguei o papel e o coloquei sob o terno. 

Madrugada, no entanto, tinha uma fama que costumava atrair comentários, então esperei que a maior parte dos nomes citados nas rodinhas de formandos contivesse apenas o nome dela. Madrugada Riordan, a rainha da antiética. Mesmo tendo a mesma idade que meu irmão, havia uma diferença entre eles. Pareciam polos opostos quando o assunto era moral.

Talvez o problema com Madrugada fosse apenas uma questão de estar sempre no lugar errado na hora errada, a perfeita figura da inconveniência. Ela havia se formado com meu irmão, juntamente com Solar e Relâmpago, mas ela era a única que claramente pertencia a um mundo distinto. Certo dia, Madrugada ouvira uma conversa nossa, o que acabara acarretando consequências graves, incluindo a óbvia descoberta do roubo de pedras. Um deslize infeliz que não déramos mais desde então: havíamos aprendido a lição.

Mas o real problema nem sequer tinha sido esse. O problema, na verdade, havia sido o fato de que Madrugada jamais revelara nosso segredo. E ela não fizera isso pura e simplesmente por ter tido interesses próprios no negócio. Madrugada apenas decidira, juntamente com seus amigos de princípios duvidosos, montar um segundo grupo clandestino de caçadores de tempestade.

Como se o governo já não fosse problema suficiente para nós.

Lembrava-me de que Madrugada não conseguira, porém, apesar de seus inúmeros esforços, pegar as pedras sem destruí-las. E ainda não conseguia, ao que tudo indicava. Algo com relação à incompetência, uma vez que o procedimento exigia minúcia e atenção, além de uma grande carga de energia. Madrugada, dessa forma, limitava-se a querer fazer acordos conosco, como, por exemplo, a proposta de ela própria indicar os locais onde as pedras cairiam e nós neutralizarmos a magia para poder drená-la. Jamais havíamos concordado com isso.

Madrugada precisava do nosso conhecimento, precisava de nós para roubar as pedras. Recentemente, ela havia começado a desviar o foco, e Raio desconfiava de que talvez Madrugada decidisse roubar pedras de nós, e não do governo em plena tempestade. Talvez ela realmente tentasse, mas nós duvidávamos que fosse conseguir, já que a eficiência não era exatamente sua qualidade principal.

– Lua Cheia ainda não apareceu – comentou Lâmpa ao meu lado na mesa.

A voz dele quebrou a tensão que nos rondava em duas partes, mas não a dissipou. Raio apertou os dedos em torno do copo na sua frente.

– Acho que Lua pode ter saído da festa – comentou, claramente tentando encontrar algo que justificasse a situação.

Nós quatro estávamos sentados numa mesa redonda no canto do salão, perto da pista de dança. Eu já tinha bebido umas três taças de vinho aguado e já não aguentava mais. Eu havia visto Raio virar uns seis copos, mas ele ainda estava bem longe de estar bêbado. Solar mantinha-se na base da água, e Lâmpa nem sequer tocara na bebida na sua frente. Ele parecia concentrado em alguma coisa, como se estivesse calculando algo como o horário.

– Ou então ela foi buscar o diploma. Deve ter uma fila bem grande agora – continuou meu irmão.

Eu quase fiquei surpreso ao ouvir isso. Havia esquecido completamente que Lua também iria se formar, mesmo sendo o fato bem óbvio – nós éramos da mesma classe. Talvez a informação tivesse sido banida de minha mente junto com as outras coisas referentes à Lua Cheia, já que eu passara o dia todo evitando pensar nela.

Caçadores de TempestadeOnde as histórias ganham vida. Descobre agora