Por mais que meus batimentos estivessem a mil por hora, por mais que eu tivesse acabado de presenciar uma coisa realmente incomum, eu ainda me sentia afogado em ódio. Minha mente teve que se esforçar para trazer à tona a razão, fazendo-a ocupar aquele 1% que havia se perdido de maneira esquisita. Eu não conseguia me sentir são, não conseguia entender minhas atitudes. Cheguei a cogitar estar bêbado, mas logo descartei essa hipótese. Não havia nada que explicasse meus pensamentos sádicos e horrorosos.
E então, tão crescente e descontrolada quanto a raiva que eu estava sentindo, surgiu a sede pelo poder. A cratera na minha frente era maior do que qualquer outra que eu já tivesse visto. A profundidade era diferente. A fumaça era outra. Eu queria entender que tipo de pedra havia feito um buraco tão grande.
Pouco me importava o estado de saúde de meu irmão e Lua Cheia. Pouco me importava que, muito provavelmente, para os dois não estarem demonstrando nenhum sinal de que foram atingidos pela camada mais forte da luz, Raio havia conjurado um escudo. Pouco me importava que isso pudesse tê-lo enfraquecido mais ainda.
Eu então corri. Corri até os dois, mas não para vê-los; mas para chegar perto da cratera. Cobri a distância em poucos segundos e ouvi Relâmpago gritar alguma coisa ininteligível às minhas costas. Eu o ignorei. Ele era tão irrelevante quanto os outros. No percurso, mais de um milhão de idéias passaram pela minha mente. Meus ouvidos latejavam com a chuva, tamborilando com minha respiração ansiosa. Eu sentia cada terminação nervosa correr feito louca dentro do meu corpo, a adrenalina espalhando-se e misturando-se ao ódio de uma forma quase irreversível.
Passei por Solar quase sem vê-la, sedento de poder. Raio estava começando a se levantar quando desci o buraco pela lateral. Eu o vi olhar para mim e depois para cima, como se procurasse as coordenadas de Relâmpago. Mas eu não estava prestando atenção nele; eu só queria aquela pedra.
A cratera era mais escorregadia do que eu havia previsto e meus pés se afundaram na lamaceira, deixando pegadas com a minha passagem. Os escombros de árvores e pedregulhos da montanha se aglomeravam uns sobre os outros, quase escondendo o rastro da pedra: eu sabia exatamente onde estava a magia acrescente. Era de onde vinha a fumaça: bem do centro - um pequeno brilho estava aceso entre as fendas.
Cheguei ao meio do buraco gigantesco com dificuldade e comecei a afastar as pedras e escombros com as mãos. Eu tentava, talvez inutilmente, ser rápido: quanto mais tempo eu passasse ali, exposto à pedra não neutralizada, mais fraco eu ficaria. A fumaça era mais vermelha perto do solo. Provavelmente a chuva estava tirando a cor com o contato.
Quando eu finalmente me livrei das últimas árvores consideravelmente altas, minha visão foi invadida por uma luz intensa e fosforescente. Eu não conseguiria definir a forma da pedra, mas sabia que assim que eu pudesse enxergar, veria exatamente seu contorno, o que fez minha ansiedade fumegar.
Cochichei umas três palavras e um arco e flecha apareceu na minha mão. Com apenas um olho aberto, apontei para a fonte do brilho cegante e atirei sem pensar direito. A arma cobriu a curta distância e um clarão fraco surgiu durante um milésimo de segundo, denunciando a destruição da barreira de proteção e a desintegração da própria flecha. O arco balançou em meu braço apenas uma vez antes de também se autodestruir, deixando minha mão dolorida. Era um impacto conhecido, embora eu jamais tivesse me acostumado com ele. Outra pessoa teria tido a mão desfigurada.
Geralmente quem fazia essa parte era Solar, ela era a melhor na pontaria, e quase nunca sentia a mão doer. Usar o arco e flecha era uma das partes essenciais em neutralizar pedras preciosas. Barreiras de proteção só eram destruídas dessa forma, com armas desse tipo: criadas por feiticeiros naquele momento. E Solar gostava bem mais desse tipo de arma do que de qualquer outra, o que acabou por gerar um padrão entre nós.

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Caçadores de Tempestade
FantasyÉ sabido que um portal feito de fogo separa o mundo que conhecemos do mundo de Eulária, uma realidade alternativa composta por cinco reinos e governada pelo corrupto e deturpado Conselho Mágico. Cansados da corrupção declarada do Conselho, cinco jo...